SÃO JOÃO MARCOS

Existiu igreja  mais linda que  a de São João Marcos?  Difícil dizer. Como uma obra prima  da arquitetura religiosa foi demolida? Mas uma igreja não é constituída  apenas de paredes, tem a história de tudo o que  se passou dentro dela. Isto permanece intacto.

Com essa constatação surgiu a ideia de pesquisar qual deve ter sido o primeiro casamento ali realizado, pois como todas as  outras, a igreja teve a sua sacristia, e nela, os livros  dos assentamentos-(casamentos, batismo, primeira comunhão, etc).

Minha primeira missão  seria encontrar  esses livros. Não foi fácil. Quem me deu uma pista de onde encontrá-los foi seu Geraldo antigo sacristão, que apesar da idade avançada sabia onde eles estavam. Daí até os livros foi um pulinho. Dona Mafalda tinha recebido da mãe  a incumbência de guardá-los como se  fossem um tesouro, e eram mesmo um tesouro.

Foi ai que fiquei sabendo que o primeiro casamento lá realizado  foi de Jose Anjo, com Maria Celeste, ele trabalhador do campo, com 25 anos, e ela de prendas domésticas, com 16 anos. Ambos trabalhavam para o  barão, dono das terras, ele no campo e ela como mucama da baronesa Maria Estela.

Dizem que Zé  Anjo nem bonito era. Forte como um touro, tinha sempre um sorriso nos lábios, o que encantou Maria Celeste.

Os registros não falam de padrinhos, mas com certeza foram o Barão e a Baronesa.

Aí eu pensei: “será que tiveram filhos? Lembrei-me que naquela época, como não existiam Registros Civis, tudo era registrado na Igreja. Procurei  por anotações, e nada. Somente após um ano e meio, nascia Bebel, a primeira filha do casal, Zé Anjo e Maria Celeste.

Por coincidência, nasceu no mesmo dia Valentina de Lourdes Monteiro Camargo Coutinho, filha mais nova do Barão.

Quis o destino que essas duas meninas, habitando a mesma casa, se tornassem desde pequenas, grandes amigas. Compartilhavam as brincadeiras. Adoravam catar pedrinhas e jogar no lago, vendo qual das duas fazia a onda maior. Estavam sempre juntas!

Quando o Barão contratou uma professora para alfabetizar Valentina, ela só consentiu em ter aulas, se a sua amiguinha tivesse também. Quando  uma não estava com vontade de fazer  a lição, a outra fazia, se esforçando para  que a caligrafia ficasse parecida. Quando a professora  ficava desconfiada, elas riam muito, sem parar. Era o segredo entre elas.

Foram batizadas em dias diferentes, mas ambas pelo Frei Gildo, que era o  pároco da Igreja.

Já crismadas, foram no mesmo dia, quando o Bispo Don Eduardo Luiz Rafael, que  se dizia discípulo de André, visitou a comunidade, em visita episcopal.

Nos dias de festa no local, elas aproveitavam  para dançar , cantar, e se divertir muito, com risadas e brincadeiras a toda hora.

Na procissão de Corpus Cristi lá estavam elas segurando uma vela acesa  protegidas por uma lanterna de papel.

O tempo foi passando, e elas sempre super amigas, até chegar a hora de cursar o secundário. Valentina foi para o Rio de Janeiro, morar na casa  da tia Tatiana, irmã do Barão, tia Avó do Gabriel, para cursar o colegial no Santa Inês.

Já Bebel ficou em São João Marcos  para cursar a Escola Normal da professora Dona Silvia.

Continuaram se correspondendo pelo menos por uma carta, todo mês.

Formaram-se.

Valentina entrou para a faculdade de direito do Rio de Janeiro, onde depois  de um brilhante curso,  formou-se advogada, tendo uma carreira igualmente brilhante.

Bebel formou-se no normal e foi  dar aulas na escolinha  da Dona Nina,  na turma dos pequenos, pois tinha muito  jeito com crianças.

As vezes Valentina vinha à fazenda visitar seus pais. Encontravam-se  sempre,  lembravam dos velhos tempos, voltavam  a ser crianças.

Discutiam sempre qual das duas fazia a onda maior no lago, quando jogavam pedras… e riam, riam, riam.

Ai eu me lembrei. Que fim levou o Frei Gildo, pároco da Igreja quando ela foi demolida?

Vou à Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro pesquisar. Fiquei sabendo que depois de um ano sabático, em que o Frei Gildo largou tudo, pegou seu vilão e viajou pelo Brasil todo, tocando e cantando músicas do nosso cancioneiro. Depois foi transferido para uma pequena paróquia em Cachoeira do Arari na ilha de Marajó, no Parà. Lá ampliou a Paróquia e criou um centro de assistência para crianças carentes, conseguiu o apoio da ONG “Irmãos” coordenada pela Simone e suas amigas.

Seu trabalho recebeu uma mensão honrosa da UNESCO.

Nota do Autor.

Este é um conto de ficção.

A única coisa real, foi a demolição da Igreja de São João Marcos.

Em 1940 o então presidente Getúlio Vargas, decretou a demolição da cidadezinha Fluminense de São João Marcos, inclusive da Igreja, para a construção da represa da usina hidroelétrica da LIGHT. Depois de algum tempo, foi criado o Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos.

Hoje um grupo de idealistas está executando um trabalho muito bonito visando resgatar a história da cidade, suas festas, costumes, tradições.

Convido o leitor a entrar no Google: “Parque de São João Marcos”

 

A escolha dos nomes de todos os personagens do conto, foi uma homenagem do autor aos colaboradores do Blog.

 

 

2 comentários sobre “SÃO JOÃO MARCOS

  1. Tambem e possivel visitar o circuito arqueologico, onde as ruinas consolidadas de Sao Joao Marcos permitem um vislumbre da vida na antiga cidade. A trilha de visitacao completa apresenta tres quilometros contendo sinalizacao de posicao, ambiental, historica e arqueologica.

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