Arquivos mensais: setembro 2013

Cantos e Recantos

Ela sempre tirava boas notas em redação. Tinha uma tática infalível. Em todas elas dava um jeito de encaixar o seu bordão: “cantos e recantos, lugares pitorescos“. Se a redação fosse sobre suas últimas férias ela dizia: – “Passei minhas últimas férias na casa de montanha da minha avó, que fica no alto de uma encosta, cercada de lindos jardins com flores, arbustos e um riacho sinuoso, com água correndo entre as pedras formando cantos e recantos, lugares pitorescos”.

Um dia teve que escrever sobre a independência do Brasil. Não se abalou, escreveu: “Dom Pedro quando chegou as margens plácidas do Ipiranga viu o sol penetrando entre as folhas das árvores, ficou encantado com aquele lugar lindo, cheio de cantos e recantos, lugares pitorescos, e decidiu que ali seria o local ideal para se proclamar a independência do Brasil!”.

Até em assuntos mais áridos como a corrupção, conseguia aplicar o  seu bordão com tranquilidade: “Nossos políticos nunca pensaram em desenvolver o turismo, que poderia trazer riqueza para o nosso país, aproveitando a sua  beleza natural, com suas praias, seus campos, seus cantos e recantos, lugares pitorescos.  Eles só pensam em usufruir vantagens e propinas, querem defender apenas seus próprios interesses e enriquecer! “.

Um dia aconteceu enfim o esperado, o professor de português percebeu a sua estratégia: -“Olhe aqui menina, chega de cantos e recantos, pelo amor de Deus!” . Ela ficou arrasada. E agora? Pensou, pensou… Passou alguns dias frustrada até, que de repente teve uma idéia que considerou genial. Lembrou-se de uma antiga canção que seu pai cantava ao violão e dizia: “Ao cair da tarde, no horizonte, o sol mandava seus raios dourados…”. Adotou esta frase como seu novo bordão.

Questionada a escrever sobre o seu hobby favorito, não teve dúvida,  já começou a usá-lo: ” Adoro fotografia! Através das fotos podemos eternizar momentos únicos, como a sensação de encantamento que sentimos ao cair da tarde, no horizonte, o sol mandando seus raios dourados…”. Até mesmo na redação  sobre o amor deu um jeito:- ” Como é bom passear de mãos dadas com a pessoa amada ao cair da tarde no horizonte, o sol mandando seus raios dourados!”

Até seu professor descobrir este novo bordão demorou um tempo e assim ela conseguiu alguns meses de paz.

Autor:  Geraldo Romano

 

cueca

Todo dia era sempre igual. Na hora que ele saia do banho, sua mulher já tinha separado toda sua roupa. Toda não.  A cueca ele podia escolher.  Calça, camisa, gravata, paletó, meia, sapato, blusa de lã era tudo por conta dela. Ele reclamava e a mulher dizia: – Você não sabe combinar nada, veste a primeira coisa que aparece na  sua frente! Afinal era verdade. Ele seria capaz de colocar uma camisa vermelha, com uma calça verde e uma paletó laranja. Reclamar não adiantava. Um dia, após permanecer algum tempo olhando fixamente no espelho, Barbosa saiu do banho, vestiu toda a roupa que sua mulher tinha separado, só que tudo do avesso. Saiu de casa sem que sua mulher o visse. Ela ainda perguntou: – Vestiu a roupa que eu separei? – “É claro meu amor!”

Quando chegou ao prédio onde trabalhava, Barbosa entrou no elevador com o paletó e a calça do avesso. Duas adolescentes que estavam no elevador se entreolharam e cairam na risada. Uma perua que também estava lá pensou: “que exibido, só porque usa roupas de grife, quer mostrar as etiquetas”

Ao adentrar em seu escitório, os colegas não disseram nem uma palavra….silêncio total! Nem um olhar entre os secretários… todos de cabeça baixa ,é claro!! Afinal, o chefe tem sempre razão.

Mas.. ao entrar em seu território particular, onde o que acontece não se deve comentar, sua secretária, que também subira na vida com o chefe, olhando para ele, não riu, apenas disse: -Nunca vi coisa mais ridícula na vida, desvira logo essa m….a!

Não dava mais. Ele já estava na frente da sala de reunião e através da porta de vidro toda a diretoria e o grupo americano olhavam fixos para ele. Nesses anos todos de empresa aprendera a ser um sujeito equilibrado, sensato em suas decisões. N a dúvida, nunca arriscava. As vezes, após longas e cansativas reuniões se lembrava do jovem revolucionário, boêmio e inconsequente que fora um dia… -“bons tempos aqueles”pensava resignado.

A verdade é que o tempo passou voando e que desde as prestações do carro e gravidez da Dona Lucinda ele teve que se enquadrar, e daí por diante se enquadrar e se enquadrar cada vez mais.

Quando Barbosa entrou  na reunião com o terno do avesso, pode ler os lábios mudos do presidente:-“Que P….a  é essa?”

Não se abalou. Entrou na sala, saudou a todos com tranquilidade e entusiasmo. Sentou-se na cabeceira da mesa, mas a sua postura estava diferente, com o peito mais para frente, a coluna mais ereta, a gravata do avesso saltava aos olhos. os presentes acharam melhor não comentar. Então começou a reunião.

Após algumas discussões preliminares, Barbosa ficou de pé e olhou para cada um dos participantes demoradamente. De repente gritou a plenos pulmões:

-“ÓS A ACEUC!”! ( Só as cuecas ao contrário)

E pensou: -“Que se f….a, chega de ser uma pau mandado!” “O jovem revolucionário inconsequente ainda vive aqui nesse peito”, pensou.

– “ÓS A ACEUC!!” Bradou de novo.

A gravata, em seu avesso desconcertante, deu uma leve tremida. Silêncio na sala. Alguns executivos da comissão americana, nem se abalaram achando tratar-se de um dialeto “afrodescendente-whatever”. Só estranharam o tom altíssimo e as roupas do avesso de Mr Barbôsa, Justo ele, tão certinho, sempre com suas ropas ton sur ton. -“Quem sabe no Brasil o casual Friday é mais radical”, pensaram.

Em compensação, Dr Afonsim Diskisim, presidente da empresa e eterno algoz de Barbosa, espumava de ódio. A azia que o leite de soja lhe causava de manhã piorava com fatores emocionais, e ele estava a ponto de explodir. Repetiu, agora para si mesmo: – “mas que porra é essa afinal?”Chega de palhaçada!

Resolveu levantar e liderar a reunião. Sempre dando uma olhadela para um Barbosa calmíssimo, foi falando do Brasil, do potencial, das oportunidades, da copa do mundo, etc

Passado um tempo, sentiu que não tinha conhecimento suficiente a respeito do assunto e vendo Barbosa calmo e quieto, resolveu passar-lhe a palavra. Arriscou.

Barbosa levantou-se e depois de olhar algum tempo para o zíper da sua calça, olhou os chefões dos gringos bem nos olhos e gritou:

-“ÓS A ACEUC”. Atônito o presidente mandou chamar os seguranças.

Foi quando, como se o circo já não estivesse armado, surge Dona Lucinda, que em alto e bom tom, como quem apresenta um espetáculo, diz: – “Obrigada, muito obrigada a todos, espero que tenham apreciado o show!”

Diante de olhares surpresos, Barbosa pareceu cair em si, mas sem  querer desperdiçar a notoriedade, agradeceu e para total espanto da diretoria, foi aplaudido de pé pelos americanos.

Antes que alguém tivesse tempo de dizer algo, Barbosa e Dona Lucinda caminharam em direção ao elevador. Quando a porta se fechou, Barbosa resolveu voltar. Entrou novamente na sala de reunião e repetiu:”-ÓS A ACEUC!”! Deve ser nosso grito de guerra! vamos romper com tudo que foi feito até agora, vamos criar inovar! Vamos virar do avesso e  por para fora o que está dentro de nós. Chega de mais do mesmo. Vamos a luta!”

-“ÓS A ACEUC!”repetiu mais uma vez e saiu da sala.

Os americanos ficaram de pé aplaudindo e disseram para Mr Diskissim : – Era isso que estávamos buscando, um parceiro revolucionário, estamos fechados com vocês”

A repercussão foi grande. Todo mundo ficou sabendo. Tornou-se um case e Barbosa foi promovido, chegaram novas ofertas de emprego, era a glória profissional que ele sempre almejou.

A única que não se convenceu da genialidade do marido foi a Dona Lucinda, que disparou: -Você pode ser revolucionário lá fora.  Aqui dentro não! de hoje em diante nem a cueca você vai poder escolher!”

Conto Coletivo, por : Geraldo Romano, Estela Romano, Simone Romano, Eduardo Schott, Lois Monteiro e Sandra Romano

 

Sorriso

Quem diria, heim? Eu lá no alto, descendo no bloco social daquele prédio gigante de vidro.

O elevador era um cômodo todo prateado, tinha até tv, uma riqueza danada.

Logo eu, que cheguei com uma mão na frente e outra atras, sem um tostão no bolso.

Me lembro como se fosse hoje, que quando saí  de Juazeiro, já na hora de subir no ônibus, mainha me disse:

Filho, sorria sempre viu? sorrir é de graça, é assim como o sol que taí de graça pra aquecer a gente.

Ah, bem que eu estava precisando de calor, naquele prédio gelado. Nasci e me criei na Bahia e foi lá que aprendi a mexer com construção, com parte elétrica.

Lembro que quando eu vim para cá, comecei a fazer uns bicos com o Seu Antônio e hoje tenho um bocado de serviço. Tenho celular, cartão, email, só não tenho “tuite”, por que ainda não entendi para que serve esse troço.

Tava fazendo um serviço em um escitório no 27 andar, quando tive que descer para receber um material na portaria. Como o elevador de serviço estava encrencado, o moço mandou descer pelo social mesmo.

Tomara que não entre ninguém, o povo pode achar ruim, pensei.

Mas não foi que nessa mesma hora o elevador parou?

Nisso entraram três doutô, fineza mesmo, de terno e graveta, e eu, como sempre faço, sorri para eles.

Desde que mainha me falou aquilo, sorrio para todo mundo, até para mim mesmo, quando me vejo nos vidros dos prédios nas avenidas.

Mas os doutô nem me viram, a modo de que estavam escrevendo no celular. Vai ver era coisa importante.

Depois entrou outra moça, com cara de chefona, mas também não viu meu sorriso não.

Me enfiei mais pro canto e fiquei torcendo praquele negócio andar depressa.

Mas aí o elevador parou de novo…

E foi então que entrou a tal moça, e junto com ela, um cheiro de flor.

Não era cheiro de perfume, era cheiro de flor mesmo.

Ela também estava com pasta e celular, só que não estava olhando para baixo igual aos outros.

Nisso ela olhou para mim, assim nos olhos mesmo, e como os outros nem olharam para ela, foi para mim que ela sorriu.

Um sorriso bonito que só vendo, igual criança. Pareceu durar o tempo de uma vida.

Nunca mais que eu esqueço esse sorriso.

Sorri também para ela e foi aí que entendi, quase cinco anos depois, o que mainha disse: Que sorriso é que nem o sol, ele aquece mesmo a gente, só que por dentro.

 

 

 

Velho

Jovem sai do chuveiro, se olha no espelho, faz pose de halterofilista e diz:  “Vai ser bonito e forte assim lá em São Bernardo do Campo!”.

Na maturidade sai do chuveiro se olha no espelho e diz:  “Você é o máximo, bonito, inteligente e realizado!”.

Na terceira idade, sai do chuveiro se olha no espelho e grita: “Socorro, tem um velho no meu banheiro!”.

Ser velho é muito relativo. Tem adolescente de 15 anos que namora um rapaz de 23, e as “amigas” fofocam: ” Nossa, ela está namorando um velho!”.

Um rapaz de 23 namora uma moça de 30. Os amigos comentam que está saindo com uma velha.

O sessentão convida a secretária gata para jantar e o pessoal do restaurante sussura:   ” Olha só aquela gatinha, está com aquele velho!”.

Dois amigos setentões se encontraram. ” Poxa vida, você está sempre igual, não fica velho! O que você faz para ficar assim?” perguntou um para o outro. E o amigo respondeu : ” Todo dia de manhã como cinco cenouras, mas sem tirar aquela pelinha de fora, pois é lá que está a vitamina!”.

Depois de um tempo, esse amigo ficou sabendo que o outro havia morrido. “Morreu? De que? Ele estava tão bem…” indagou incrédulo. ” De tanto comer cenoura crua. Ingeriu tanto agrotóxico que não teve jeito…” explicou a filha do falecido, consternada.

Autor: Geraldo Romano

Zé Girafa

Era magrinho, muito alto, esguio, pescoço grande, andava balançando a cabeça. Os colegas da fábrica logo o apelidaram de Zé Girafa. Sem maldade, foi muito bem escolhido. Trabalhava na manutenção de máquinas e equipamentos. Era um excelente profissional, competente, criativo. Tinha porém um temperamento de cão. Sempre mau humorado, tinha uma resposta para tudo.

Os colegas sabendo disso o gozavam. Quando ele andava pela fábrica:  “Vai Girafa!” e vinha a resposta: “Girafa é …(um palavrão)!”, para  delírio da peãozada. Mas tanto insistiram que ele acabou assumindo o apelido e passou ele próprio a se auto denominar Girafa. Aí acabou a graça, ninguém mais brincava com isso. O mau humor porém continuava. Se estivesse consertando alguma coisa e um auxiliar deixasse cair uma ferramenta no chão, um martelo ou um alicate, lá vinha o Zé Girafa :  ” Ainda bem que você não está trabalhando num barco”.

Quando o engenheiro da fábrica pedia para ele fazer algum serviço, ele começava a reclamar: ” Quando dá certo foi ele quem fez, quando dá errado, foi o Zé Girafa!”. Outra mania sua era discutir ordens:  “Não seria melhor fazer assim?”.  Um dia o engenheiro se irritou e respondeu:  ” Oh Girafa, você está aqui para resolver problemas ou para criar caso?”.   “Para resolver problemas” respondeu indignado. Ficou queimado, com muita raiva. E assim fez o engenheiro pagar a afronta em suaves prestações diárias.

Quebrou a máquina? Lá vinha o Girafa.  “Eu avisei, temos que trocar esta peça, estava por um fio, não aguentou!”.   Quando perguntavam como conseguir outra ele não perdia a oportunidade. ” Se o engenheiro tivesse se lembrado de comprar uma peça de reposição…” envenenava sem piedade.  Aonde podemos comprar? “Não sei, pergunta para o engenheiro!”.  Assim fazia sempre.

A noite quando chegava em casa, quase não conversava. Assistia TV e a mulher reclamava que não falava nada. E ele respondia, sussurrando, que não tinha mais forças depois de tudo que já havia falado na fábrica. Mas quando desligava a TV e pegava o seu cavaquinho, se transformava.

As mãos calejadas conseguiam tirar um som maravilhoso do instrumento. Tocava. Solava. A mulher chegava perto e começava a cantar baixinho. Nesses momentos ele sorria, sonhava. Às vezes seu compadre Mané, seu vizinho, aparecia com o violão e eles faziam uma dupla: Mané e Girafa.  Outras vezes formavam um trio, com a sua mulher cantando.

A mulher adorava vê-lo tocar. Afinal ele a conquistou com uma serenata em sua janela. Compôs até um chorinho para ela. Mais tarde ele guardava o cavaquinho, abraçava e beijava a mulher, feliz da vida, e iam dormir. Quem visse essa cena, não acreditaria que este era o mesmo Girafa mau humorado.

Todo homem tem seu ponto fraco, aquele que em momentos mágicos consegue colocar alegria e felicidade na sua vida.

Autor: Geraldo Romano

 

 

A Balofinha

chapeuzinho

Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinha Balofinha, uma gordinha muito curiosa. Um dia sua avó ficou doente e sua mãe mandou ela ir levar um bolo e um suco de laranja para sua avozinha.

-” Minha filha pelo amor de sua Mainha! Não vá pelo bosque que lá tem um lobo mau. E não belisque o bolo da sua avó!”.

­_ “Mãe, não viaja, lobo mau é história para criança ir dormir!” – respondeu a filha.

Chapeuzinha ficou muito curiosa para saber se existia ou não um lobo mau. E foi pelo bosque.

O lobo caminhava tranquilamente pelo bosque procurando por uma criancinha e ouviu um uma cantoria.

­_ “Vou caminhar pelo bosque enquanto o lobo não vem!”.

­ “Já vi que hoje vou ter jantar!” pensou o lobo.

O lobo, que já tinha visto a Chapeuzinho antes, percebeu que a ela ia para casa da sua avó e saiu correndo, como o Flash que ele via na televisão.

Depois de muito correr, o lobo chegou na casa da avó, bem antes da Chapeuzinho.

Bateu na porta.

_ TOC TOC TOC TOC TOC!

Ninguém respondeu. Ele bateu de novo.

– TOC TOC TOC TOC TOC!

Como ninguém respondeu, entrou e achou um bilhetinho escrito assim: “Minha neta, mano, fui andar de skate com o meu velho, cara, a pista aqui perto é irada”.

O lobo aproveitou a chance para fingir que era a avó. Deitou na cama dela e esperou.

Esperou por horas e horas…

A Chapeuzinho demorou muito para chegar, porque não resistiu e parou no caminho para experimentar um pedacinho do bolo da sua avó. Além de curiosa ela era também muito gulosa.

Depois de muito tempo, a Chapeuzinho entrou.

_ “Nossa! Vó, que narigão é esse?”

_ “É para te sentir melhor!” respondeu o lobo.

_ “E esse orelhão?”

_ “É para te ouvir melhor…”

– “Você tem certeza que é a minha avó?

_ “Claro minha netinha!”

– “Pelo amor de Deus, eu conheço a minha avó! Saia daqui seu lobo trouxa ou eu ligo agora mesmo para a polícia com meu celular!”.

O lobo saiu correndo e nunca mais teve coragem de voltar.

Autora: Nina Aiach