Arquivos mensais: fevereiro 2015

DIALOGO DE PERGUNTAS

– Aloo?

-Consultorio médico,- Vicentina , com quem eu falo?

– Moça, preciso de consulta urgenti  aíh eh consutoro  do dotô  Marcel, eh  ?

– Seu nome por favor?

 – Meu nomo?  É Evangerdina   Souza dos  Reis , mas  pode marcar ai Dina, só Dina, só ?

-Próxima data para consulta que eu tenho com o Professor Doutor Marcel,   é ,  daqui  a três meses,  dia  15/07 as 18.45. Quer agendar?

-Treis  meis ??

-Por favoor ,senhora :  sra  DINA da onde? ?

-Como assim de onde é? É daqui da casa da vizinha, , mods que o orelhão da rua zuô, sabe como é , né, a senhora já viu isso, um orelhão ser distruido pelo povo q  precisa del ?

-Já é paciente ?

– Ah num ando paciente não, viu,dona vicentina, é vicentina, ne ?

-Sra,  está DE BRINCADEIRA COMIGO?

Eu hein? Noossa, num se pode perguntar nada  que a sra já fica neuvosa ?

-Olha aqui,  Eu sou   sozinha  mas muuuuito ocupada : a senhora acha que eu tenho tempo a perder com uma maluca que nem a senhora??

– Ô minha fia, sei que a vida das mulé num são fácil não viu, eu mesma atendo uma fila enorme

delas aqui pra arranja  marido bao pra elas miorá de vida. Dia inteiro na minha porta!  Isso a senhora acha tambem que é fácil ?

– Co-como assim, d. Lina,o que a senhora faz?

– Sou vidente e amarro o amor  bão pras mulé; sabia que já fui madrinha de mais de 100 casamento ?

– Seeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeério ?-Estou procurando alguém assim a anos!- A Sra pode me atender ?

– Posso sim, minha fia,  mas só tenho horaro daqui a quatro mês. Vai  querê  agendááa ??

 

– Olha estou vendo aqui que houve uma desistência para amanhã, na agenda do Doutor Marcel, a senhora quer aproveitar ?

– Tá bom fia. Tô ai amanhã. Ce pode vim depois da manhã a noite aqui em casa?

 

SONHANDO ACORDADO

São Paulo, 14 de Outubro de 2080.

Caro Fernando,

Boas notícias!

Salvamos mais um! O sujeito 509 foi encontrado recriando o que antigamente chamava-se de cama, enquanto rabiscava um papel. Estava alucinado, dizia que precisava deitar-se e ficar imóvel naquele objeto, com os olhos fechados.

Acho que ele era do tempo de antes, da época escura onde quase um terço da vida era gasto com sono. Disse estar preocupado com a raça humana, vocês acreditam nisso?

Mas já calei a sua boca. Agora é útil e produz tanto quanto os outros.

A parte engraçada está em um bilhete que encontramos no seu bolso. Eu guardei uma cópia, olha só.

 

Luís, 

Posso ser capturado a qualquer momento. Escrevo para você esse bilhete, esperando que possa decodificá-lo e fugir. Eles não entendem, não estavam aqui durante a epidemia. Mas eu estava, eu vi meus amigos tornarem-se monstros. Vou te contar um pouco de como foi.

Há muito tempo atrás, as pessoas dormiam. (A expectativa de vida era alta – 80 anos! – nada comparada aos 35 que temos hoje).  O sono era o único momento de paz, parecia um hiato obrigatório e crucial no roubo do nosso tempo pelo sistema. Até que foi contornado. Inventaram uma pílula que tirava o sono, a 24/7, versão anterior daquela que há hoje. 

No início foi uma maravilha.Como não dormíamos, a vida parecia eterna! O ditado “tempo é dinheiro” nunca foi tão verdadeiro como naquela época. Todos estávamos felizes, era o fim dos problemas. Poderíamos ter mais tempo livre, viver mais, trabalhar mais, ganhar mais e prosperar. A classe baixa finalmente conseguia adquirir objetos de luxo. Todos trabalhávamos incessantemente e cada vez mais enriquecíamos.  Viver e desfrutar ficava sempre para mais tarde, afinal, tínhamos tempo!

Claro, as pessoas endividavam-se de maneira que teriam que trabalhar sem pausas até o fim da vida. Claramente era esse o objetivo…

Porém, passado alguns meses, a falta de sono começou a afetar a população de maneira significante . Algumas pessoas perceberam que o sono não era uma mera perda de tempo, mas necessário. Ainda assim, já não era possível  a desvinculação da droga. Éramos física e psicologicamente dependentes. Ademais, quem tentasse sair do sistema seria marginalizado, excluído e perseguido até se render de volta, e é por isso que te escrevo esse bilhete.

A saúde geral da população ficou abalada, e o pior: a saúde mental, praticamente irreparável

Sonhando acordado, tantos indivíduos entraram em estado catatônico que chegaram a ficar assim durante dias. Além disso, como não dormiam, a sua memória não se consolidava, então logo esqueciam de quem realmente eram.  

  A dependência física e psíquica da pílula era tanta, que não tinha mais volta. As pessoas começaram a morrer. Outras ficaram loucas. Outras, mais loucas ainda, não percebiam o que estava acontecendo. Aprimoraram a pílula e, manipulando as pessoas por meio de suas emoções, disseminaram o discurso de que a vida sem sono era a melhor possível, mesmo que a saúde ficasse um pouco comprometida. 

Precisamos fa-

 

Bem, o bilhete pára por aí, pois foi quando encontramos e salvamos esse miserável ser.

 

Como você pode ver, o sujeito parece de fato acreditar nesse monte de mentiras que tenta disseminar com esse bilhete. Claro que lembramos quem somos, somos trabalhadores, né gente?!  Incansáveis, podemos cada vez mais! Vivemos como engrenagens de um sistema maior, que, incessante, deixa a todos nós felizes. É claro que não é possível viver fora desse sistema, mas quem é que iria querer?

Temos baixas, sim, mas o que são algumas pessoas meio loucas em meio a tanta normalidade?

Mas acho que não há motivos para grandes preocupações. Em uma sociedade tão avançada e inteligente quanto a nossa, as pessoas não cairiam em uma falsa propaganda de uma “vida melhor”. Além do mais, esse é só mais um lunático que estava sonhando acordado.”

 

Sempre Alerta,

João.

 

TATIANA

 

DESCULPAS À PARTE

Uma semana antes da abertura da Copa, o jogo seria um clássico, Brasil e Argentina. Fiquei com preguiça de levantar só de pensar quantos torcedores fanáticos teria de enfrentar na rua, pois trabalho na bilheteria oficial da Copa do Mundo de 2014. Eu particularmente, odeio futebol.

Ao final do dia, a fila ainda estava imensa, mas acompanhei tudo de perto.

Um homem e uma mulher começaram a discutir, pois esta queria passar para a fila daqueles que compram meia entrada (gestantes, pessoas com problemas físicos, idosos, crianças menores de dez anos,) alegando  que estava grávida.

– Senhora, aonde pensa que vai? – Exclamou um senhor que estava na fila de meia entrada.

– Para a mesma fila em que o senhor está, por quê?

– Desculpe, mas qual é a sua necessidade especial?

– Não está vendo? Estou grávida.

– Ah não, mais uma malandra querendo se dar bem né? Vai me perdoar, mas não está grávida coisíssima nenhuma!

– Como assim?! – a mulher se irrita- Olha aqui a minha barriga!

-Pff, isso não é barriga de gravidez.

– Ah não? O que é que é então, senhor sabe tudo? E falando em falsidade, qual é a sua necessidade especial?

Percebi que a discussão estava ficando quente.

– A minha necessidade não te interessa, mas Isto ai se chama gordura, sabe, você deve ter ganhado uns quilinhos extras.

A mulher queria avançar, os seguranças não a deixaram. Os dois se retiraram da fila e continuaram a discussão.

-Olha aqui, se quiser, vou até minha casa e trago os exames, mas me diga qual é a sua necessidade?

– Quero vê-los!

Só trago se você me disser e me prová-la .

– Está bem! Tenho uma perna mecânica.

– Há há há. Conta outra, esta foi a minha desculpa da semana passada.

– AHÁ! Você admitiu que era mentira!

Já estava escurecendo, e nada da briga acabar.

Não admiti nada! Não tire palavras da minha boca!!

Mas você acabou de dizer “esta foi a minha desculpa da semana passada”

A minha voz não é assim! Mas não mude de assunto! Quero ver a sua “perna mecânica” – disse a senhora, com uma voz esnobe.

Está bem.

 

O senhor levanta a calça, e mostra sua perna, aparentemente normal.

 

Puxa vida, mas como o senhor é mentiroso ein?!

Mas, é real!

Quero ver os exames, então.

Está bem, mas só se me mostrar os seus.

Com prazer. Moro aqui do lado. Volto em cinco minutos.

Eu também.

Cinco minutos depois, os dois aparecem,segurando envelopes brancos.  Eu acompanho tudo de perto.

Viu só meu senhor, eu os trouxe!

Viu só minha senhora, eu também trouxe!

Ok, vamos trocá-los.

 

Os dois trocam os exames, e depois de uns dez minutos de análise, o senhor puxa papo:

 

-Puxa vida, me desculpe, não é que era verdade mesmo.

-Não disse. Mas não te julgo, fiz a mesma coisa, me desculpe, não tinha ideia.

– Bem, vamos voltar para a fila então?

-Claro.

Os dois se viram, e constatam que o único ali sou eu .

 

-Com licença meu senhor  -a mulher me diz

Sim? – respondo

Cadê todo mundo?

Ué, foram embora, os ingressos já acabaram.

 

TATIANA

 

PENSAMENTOS

1 –  Quase é nada.

2 –  Como é maravilhosa aquela pessoa que agente não conhece bem. – Millor

3 – Faça de um limão. – uma caipirinha.

4 – O amor é como a chuva, nos purifica ou nos deixa resfriados.

5 – Todos estes aí que estão atravancando meu caminho eles passarão. Eu passarinho. Quintana

6 – Ser grande na vida é atrapalhar a visão do cara  de trás no cinema.

7 – Dar conselho a alguém é fácil o duro é vestir sua sandália.

8 – Na insônia os problemas se agigantam. Quando se desperta eles diminuem e agente esquece.

9 – Como é difícil aceitar nossas limitações.

10 – Me perguntas por que compro arroz e flores?  Compro arroz para viver e  flores para ter algo pelo que viver.Confúcio

11 – É meu conforto. Da vida só me tiram morto. Millor

12 – Um + um são dois, só na matemática. No meu caso por exemplo são seis.

13 – Se não puder ajudar, ATRAPALHE, o importante é participar.

14 – Nunca chore pelo leite derramado. A não ser que seja você quem tenha de limpar o fogão. C. Coutinho(face)

15 – Mulher é um negócio tão bom:

que homem gosta de mulher

mulher tá pegando mulher

tem homem querendo ser mulher(face)

16 – Por fim pensamentos estampados em camisetas infantis:

– Mama + Papa = Jo

– Papai sabe muito, mamãe sabe tudo.

– Me Avô é meu amigo. Mexeu com ele mexeu comigo.

– Salva vidas. De gatinhas bonitas

– Aviso: só durmo no  colo.

OTIMISTA – PESSIMISTA

1 – Na promoção da loja:

Compre um terninho e ganhe uma calça.

Otimista – ótimo, ganhei uma calça.

Pessimista– comprei dois terninhos me roubaram um casaquinho.

 

2 – No horóscopo:

Júpiter vai entrar no quadrante de Marte e você vai ter uma surpresa.

Otimista – vou ganhar um presente.

Pessimista – já vi que vou me ferrar.

 

3 – Na previsão do tempo:

Amanhã chove forte.

Otimista – que bom, vai limpar o ar e encher as represas

Pessimista – vou tomar chuva, me molhar e ficar parada no transito. Posso até ficar doente.

 

4 – No cumprimento:

Bom dia senhora.

Otimista – bom dia.

Pessimista – bom dia por quê? Está querendo algum favor?

 

5 – Na visita ao novo vizinho, solteiro e lindo de morrer:

As duas amigas, bateram na porta, para dar boas vindas. Ele abriu, estava de pijama.

Otimista – pensou: “sete horas da noite de pijama?” deve ser trabalhador, está dormindo cedo, cansado.”

Pessimista – “deve ser vagabundo, até essa hora de pijama!”

 

6 – Ele as convidou para entrar mas ofereceu somente água ou suco:

Otimista – que bom! Não bebe!

Pessimista – nossa! Deve ter bebido o bar inteiro, não sobrou nada! Bebum!

 

7 – O vizinho tinha uma conversa boa era interessante e as duas ficaram afim. Ambas saíram com ele para um jantar, cada uma de uma vez, claro. Mais tarde, no apartamento dele, na hora do rala e rola, ele não conseguia balbuciar uma palavra e suava em bicas:

Otimista – “nossa! Isso acontece quando o homem fica inseguro, achando que a mulher ali é muita areia para o seu caminhãozinho! Deve estar impressionado comigo!”

Pessimista – “Nossa! Isso acontece quando o homem fica inseguro, achando que a mulher ali é um filhote de cruz credo com urubu e que, realmente, não vai dar para encarar. Deve estar apavorado comigo!”

A otimista pensou – “É só comprar um calmante e vai dar tudo certo!”

A pessimista “com este cara bundão não saio nunca mais!”.

 

8 – Falta d´água em São Paulo:

Pessimista – quando a gente pensa que esta cidade não pode piorar, descobre que pode!

 

Otimista – apenas suspira. Nem a mais otimista consegue achar alguma coisa positiva em ficar sem água!

“certas coisas só são amargas se agente as engolir”

Millôr Fernandes

PEIXE

Foi o Romário, aquele grande jogador de futebol quem primeiro usou o termo “peixe” como sinônimo de amigo, protegido, comparsa. “Fulano é meu peixe”.

Agora o real sentido da expressão “peixe fora d´água”, só tive durante um almoço. De ambos os lados sentaram-se pessoas que eu não conhecia. Deveriam ser amigos, conversavam o tempo todo sem se importar comigo no meio deles. Ofereci trocar de lugar, mas eles recusaram. De repente um falou “ele é peixe pequeno” e eu acrescentei – “lambari”. Olharam-me feio, e prosseguiram.

“Olho de peixe morto”, era uma prima do meu pai, que fazia charminho para ele com os olhos ligeiramente cerrados, despertando o ciúmes e o ódio de minha mãe. Lá em casa quando se referia a ela minha mãe dizia – “se a olho de peixe morto for,  eu não vou”.

E por falar em peixe, vou dar uma dica para os cientistas transgênicos e modificadores genéticos: Por que não desenvolvem, um peixe sem espinha? Iria facilitar a todos, aos garçons dos restaurantes, às mamães que limpam para os seus pimpolhos… “ela é um espinho de peixe atravessado na minha garganta”, não teria mais sentido.

Não há ninguém com mais de 50 anos que não saiba o que é um carrão “rabo de peixe”. Com o porta malas imenso, e duas pontas salientes, uma de cada lado. Pode parecer incrível, mas eu já achei esse carro o máximo. Um vizinho tinha um o que despertava em mim uma certa dor de cotovelo. Ele sabendo disso, quando passava, me dava um chauzinho.

E nas canções: “peixe quer mar… menos peixe a nadar no mar, do que… ou é doce morrer no mar… opa!”  A onde está o peixe nesta canção?

No mar é claro.

Tem peixe que subiu na escala social. Por exemplo a tilápia passou a se chamar “Saint Peter”.

Tem signo de peixe, tem “filho de peixe peixinho é”, tem vaca que morreu afogada quando se apaixonou pelo peixe boi, mas o que eu quero escrever agora é do “peixe que morre pela boca”. Ele está  lá na água, tranquilo quando de repente surge na sua frente uma minhoca, ou um camarão, paradinhos, prontos para serem engolidos, sem muito esforço. O peixe resolve saborear aquele quitute, mal sabe ele que o pescador traiçoeiro, colocou um anzol, só para fisgá-lo. Sacanagem.

De tanto falar em peixe, fiquem faminto. Que tal jantar um peixe espada, com uma farofinha de banana?

O REENCONTRO

Toda segunda feira é a mesma coisa. Clico na caixa de entrada e vejo despencar, em efeito dominó, um monte de letrinhas agrupadas com os mais diversos  assuntos.

No meio deles, em caixa alta, vejo lá:

REENCONTRO DOS FORMANDOS DE  1990

Em seguida, outro titulo:

FRAAN, vamonessa!

Só podia ser da Ritinha, minha amiga querida (e única)da classe da faculdade.

– Vambora, Fran, vai ser tudo! No mínimo agente toma um vinho, vê como está o pessoal e dá boas risadas! Não aceito não como resposta. Vai ser só dia 16. Passo para te pegar ás dez e depois te deixo em casa. Damos só uma passadinha…!

-Ah Ritinha, não sei não, se eu já era peixe fora d agua naquela época, que dirá 20 anos depois…Aquela galera da psicologia nunca me aceitou. Diziam que eu era grãnfininha , patricinha,acho que implicavam comigo só porque  eu  não usava chinelo de couro e sempre cortava as unhas dos pés ! Não fosse você, Ritinha, eu tava frita.Não, não to fora. Só faltava essa ! Ter que  me desarrumar toda para ir a uma festa bicho-grilo. O que vai ter lah, batida de tofu?

– Te pego as 10. Beeeeeeijo.

Da portaria do clube dava para ouvir o som alto tocando flash back.

Cheguei a pensar que estávamos na festa errada. Quem era aquela gente?

Um exercito de  carecas e mulheres  loiras de pretinho básico, em cima de saltos altíssimos. Todas com  testa  lisa e cara de vento…. sem falar na tal escova  progressiva, que deixou todas elas iguais, um nivelador social  só comparável à praia de Ipanema.

-O que aconteceu com a cabeleira da galera do grêmio? tentei  especular com a Ritinha.

Mas ela nem me ouviu. Nem sequer estava do meu lado, ocupada demais em abrir suas asas, soltar suas feras, e cair na gandaia. Da pista,acenava para mim : Veeeem, boba!

Cinco taças de prosecco  depois,  aderi  gloriosa a coreografia  do grupo:

nanannananananananna, Macarena

nanannananananannana,Macarena

nanannananananannanna, Marcarena

Na voltinha do  eeeeeeeeeeee  Macarenna , passei rapidamente os olhos pelo entorno da pista  e então gelei. Estou ficando louca ou aquele é o Luis?

Só tive certeza quando olhei para o crachá:  LUIS BEVI. Fiquei paralisada. E antes que fosse pisoteada pelas colegas que soltavam a louca na pista, cheguei mais perto, quando ele se antecipou:

 

-Oi, Fran! Noossa não acredito!

-Ooooooooooooooooi Luis, quanto tempo…!

-Como é que você  está?

Com as mãos no ouvido, me puxou para o bar, para tentar ouvir a resposta.

-Nooossa que barulheira !!! Quer tomar alguma coisa?

Na faculdade, estudávamos no mesmo prédio, embora fizéssemos cursos diferentes.

Reparei nele desde o primeiro momento. Nos cruzávamos na escada e ele sempre me olhava, meio sem graça. Um dia, não sei nem como, passamos a nos falar oi. Adorava a maneira como ele segurava os livros, apoiados entre a perna e mão direita e o jeito como ele descia a escada, pulando os degraus de dois em dois. Usava quase sempre  camisa xadrez  azul e jeans. Era bem fortinho, o Luis. Seu estilo surfista –com- óculos- John Lennon, era simplesmente irresistível .

Dava para perceber que era do tipo tímido, nada pavão, do jeito que eu gostava. Eu sempre aparentei ser meio perua, mas a verdade é que por dentro eu  não era assim. Sempre fui meio feiosa, então precisava de produção, era só isso.

Depois de um tempo,nossos encontros na escada foram rareando, cheguei a pensar que ele tinha saído da faculdade. Um dia, fazendo uma reunião de grupo na biblioteca, eu o vi numa salinha de estudos,  sentado  com o faxineiro  e amigão da gente, o Zé Vitrola. O Luis estava ensinando o Zé a escrever!! Me apaixonei por ele através do visor da janelinha da sala, sem ao menos trocar com ele mais que um monossílabo por dia…

Era muita coincidência! Eu também estava tentando ensinar a Cida, cozinheira lá de casa a escrever  , começando da cartilha. Só que  eu devia ser muito ruim, porque menos de duas semanas de curso, perdi a aluna e minha mãe  perdeu a cozinheira. Ela foi comprar pão na padaria e nunca mais voltou.

Voltando à festa :não precisou mais que dois minutos para a gente voltar àquela época:

-Conta a verdade, Fran, a tal Cida existia mesmo, ou  aquela conversa sobre o método de alfabetização era só xaveco?? Sim, por que desde aquela tarde, você não me largou mais.

-Ai que  mentira, Luis! Você é  que grudou em mim os quatro anos seguidos, até que você foi embora ,cursar o ultimo anos nos Estados Unidos!!

Começamos então uma viagem de volta ao passado, relembrando o tempo ido, coisinhas de nos dois, regadas a risadas eufóricas interrompidos apenas por alguns “ que fim levou fulana e fulano?”

Fiquei feliz ao ver que ele se lembrava de tantos pequenos detalhes da nossa ex-vida.

E que vida. O Luis foi meu primeiro amor.Um amor tão grande que doía o peito.

Nos poucos momentos de silêncio, Luis me olhava e sorria com uma calma espantosa. Eu sorria de volta,tremendo, com os olhos fixos nele.

Do presente, nada falamos. Não importava. Sabia que ele tinha cursado a faculdade de economia fora,  que trabalhava num banco, era casado e tinha um filho só e que dificilmente vinha ao Brasil. Nunca procurei saber mais dele. Afinal,tinha minha vida: o Beto, as crianças, o trabalho…

 

Não falamos do presente, nem de nada que não fosse nós dois.

Nossa vida, naquela hora, não tinha outros.

Estávamos cada vez mais soltos. Riamos e nos aproximávamos . As vezes nos encostávamos de leve. A intimidade  e o calor aumentava .

Por um botão aberto, consegui enxergar um pouco do seu peito, por dentro da camisa xadrez. Como ele eh lindo, meu Deus! Percebi algo que me parecia ser uma tatuagem.

Quando eu ia perguntar sobre isso, e também contar da minha , Ritinha apareceu no terraço.

-Já estão fechando, todo mundo já foi embora,Fran, temos que ir.

Luis me falou que iria embora no dia seguinte a noite, e antes que eu pudesse  dizer algo ,ele falou:

-Vamos tomar um café amanha?

-Vamos ,vamos sim. Umas onze é bom pra você?

Que tal no ibira?

-No lugar de sempre?

-ok

O ibira tinha tudo a ver com a gente. Nos encontrávamos quase sempre de bicicleta  numa alameda tranquila , na decima primeira árvore, exatamente a metade do caminho para quem entrava pelo portao 3-(EU) e pelo portao 5-(ELE).

-Será que a nossa árvore ainda esta lá?

-Ah não sei, deve estar…

Na verdade, eu sabia que estava, sempre que eu ia lá com o Beto e as crianças, dava um jeito de passar naquela alameda. Olhava para a árvore e lembrava do tempo bem vivido, da paixão desmedida, o desejo ardente. Recordava  o desenho do  seu corpo enroscado ao meu, ali mesmo,  em cima daquela árvore.  Lá de cima, dava para ver o lago e de lá podíamos ver também o nosso futuro  juntos. Um dia traríamos as crianças, e subiríamos com elas para mostrar o lago.

Não consegui dormir direito aquela noite, nem trabalhar naquela manhã antes do encontro. Acordei com ressaca e dor de cabeça, mas antes das onze, já estava  lá em cima arvore. Pensei que o Luis talvez não reconhecesse meu rosto, dado a camada gigante de corretivo que tive que passar pra esconder as olheiras.

Foi então que ele chegou.

Respiro ofegante. Rejuveneço 20 anos. Me sinto uma menina.

oi fran, nossa vc está  linda ..

-E você , então? Quem corta seu cabelo agora?

-Ah, sei lá, corto num lugarzinho perto do banco. Lembra quando você  cortou a primeira vez o meu cabelo ? que me encheu de grampinhos para separa-lo em partes e seu pai flagrou a gente,   no seu banheiro cor-de-rosa ??? EU com o cabelo dividido em grampinhos!!!

E qdo a gente foi viajar com a turma para o Peru: uma turma de duas pessoas, eu e vc…?? Nossa, a gente viveu hein!…

Neste momento, o celular do Luis tocou. Ele olhou o numero, mas não atendeu. A pessoa insistia. Seis chamadas em menos de 10 minutos.

O som daquele aparelho  doía em mim. Será que é a esposa? o filho?será que ele tem que ir embora de novo? Será que isto é o alarme do meu despertador e e estou sonhando?

O Luis não disse nada,mas  também ficou diferente.

Depois disso, seguiu-se um longo e miserável silencio. A euforia desapareceu.

Ficamos parados, ambos olhando para um ponto no infinito,  quase ausentes .

E , então, como se  estivesse frente ao abismo  do passado e do  presente ao mesmo tempo, Luis virou  meu rosto  e disse baixinho:

-Fran, porque  foi mesmo que a gente se separou?

– Shhhh…Me beija.