Arquivos mensais: agosto 2016

CASAIS

 

CASAL I

 

Ela era uma adolescente diferente, fora dos padrões. Passava quase todo o seu tempo livre lendo, escrevendo, decifrando os significados de poemas.

Diferentemente de suas colegas, ela gostava da quietude. Mas daquele tipo de quietude boa, que fala dentro da gente.

Os pais preocupavam-se:

“Essa menina tem que sair da concha!”.

Mas enganavam-se. Ela nadava há tempos no mar aberto das letras.

Na escola, durante a aula de literatura ela recebeu a tarefa de escrever em dupla, um pequeno livreto de poesia.

Se animou toda, afinal era  craque no assunto! Porém  quando soube qual seria a sua dupla, a animação virou tédio: o clichê “bonitão – popular sem cérebro” iria trabalhar com ela.

E o pior: aos sábados

  • “Ninguém merece”! Pensou ela. “Vou ter que fazer tudo sozinha, claro . E ainda aguentar esse cara que provavelmente nem um gibi leu na vida”.

Eles nunca haviam trocado uma palavra na escola antes.

Chegou o sábado, e ele  tocou a campainha. Ela abriu e sorriu assim sem graça, estranhando o fato dele  carregar alguns livros de poesia em baixo  do braço.

Sentaram-se e começaram a planejar o trabalho. Ele estava meio calado, ainda mantinha  máscara social do “bonitão-popular”. Aos poucos, porém foi se soltando e revelou-se um garoto sensível  e inteligente. Para a  surpresa dela, ele entendia sim de poesia.

E tinham  como preferido, os dois , o poeta Paulo Leminsky. Coincidência que os animou a usar poesia  concreta para elaborar o livreto.

Nos quatro encontros que se seguiram, o relacionamento deles começou a se aprofundar em amizade, poesia, a um passo para o amor.

Ela, que antes nunca havia  visto nenhuma beleza no bonitão estava encantada.

Ele, que nunca havia reparado nela, estava apaixonado pela primeira vez. Só pensava nessa menina tão diferente das outras, mas tão igual à ele. Mas adolescente que era, a menina ficou com medo desse amor. Ele era lindo, assediado desde sempre.

Vivia rodeado de amigos, e amigas. E ela era de outro   “mundo”. Sabia com que olhos os amigos dele a viam: a estranha, a nerd, a rata de biblioteca.

Claro, ela tinha medo de sofrer por amor, como nas poesias.

Ele, logo percebeu a insegurança dela. Mandou-lhe uma mensagem pelo celular:

 

“ COM OUTROS OLHOS

OU COM

OS OLHOS DOS OUTROS?”

Leminsky.

 

E ela então lhe respondeu:

“DO AMOR

CONHEÇO OS SINTOMAS

E OS HEMATOMAS”

 

Ele riu. Era só um medo bobo dela.

Devolveu:

“ O DESTINO QUIS QUE A GENTE

SE ACHASSE

NA MESMA ESTROFE

E NA MESMA CLASSE

NO MESMO VERSO

E NA MESMA FRASE”

Leminsky

 

Ela leu. E sorriu.

Ah, a poesia!

 

 

 

CASAL II

 

O casal entrou no avião com destino a Miami. Eram belíssimos. Ela, loira, alta, bronzeada. Ele atlético, bem vestido, olhos verdes.

Os passageiros não tiravam os olhos deles, inclusive eu.

Reparei que discutiam baixinho com a aeromoça. Algo estava errado.

O problema era que tinham caído em poltronas separadas. Confidenciaram: estamos em lua  de mel.

Prontamente cedi meu lugar  para que  os pombinhos pudessem  ficar juntos.

Sentei ao lado deles, separado pelo corredor e fiquei espiando seus movimentos.

Percebi que desde que embarcaram não haviam trocado nenhuma palavra. Nem um monossílabo sequer.

A aeromoça chegou com duas  taças de champanhe, como cortesia.

Começou então uma sensação interminável de selfis. Taças  cruzadas, descruzadas, sorrindo, sérios, com selinho, com beicinhos, enfim, todo repertório de poses.

Mas não conversaram, apesar  de  que percebia-se que não estavam brigados.

Estranhei esse comportamento vindo de uma casal em lua de mel. Esperaria empolgação, carinhos, troca de ideias sobre como foi o casamento.

Mas eles continuavam mudos.

Ao terminarem as fatos, ele  se recostou, pôs os fones de ouvido  e mergulhou nos filmes.

Ela, ficou horas editando as fotos a serem postadas.

Afinal tinham que compartilhar com o mundo a sua mutua felicidade.

 

 

 

 

CASAL III

 

Aquele casal de velhinhos chineses parecia perdido num mar de ruídos de crianças.

Eram baixinhos e usavam aquelas roupinhas orientais, abotoada até o pescoço. Ela, levava uma sacola com um pequeno guarda-chuva colorido.

Esperavam o trem que os levaria do estacionamento da Disney até a porta do Parque.

Quando o trem chegou, as crianças avançaram e somente sobrou para eles, lugares separados por uma fileira.

Esse casalzinho ficou desesperado. Parecia que não haviam se separado nunca na vida.

Quando o trem começou a andar, eles esticaram os bracinhos, e procuraram as mãos.

E para comoção geral foram o tempo todo de mãos dadas, aquelas mãozinhas pequenas e enrugadas dos velhinhos até chegarem no destino final.

 

MILAGREIRA

A curiosidade que me inquietava vinha de uma palavra: – milagreira.

Quem despertou em mim essa fissura foi uma senhora que fazia faxina na casa de uma vizinha.

Ela se dizia milagreira!

De tanta curiosidade acabei indo conhecer a cidade  de D. Nenê a tal milagreira, pois queria conhecer sua estória.

Chegando lá, a surpresa, a cidade de D. Nenê a milagreira chamava-se Milagres! Na vila pequena e singela todos eram milagreiros.

Milagres, tinha uma praça e algumas ruas. Sua vida, nada cosmopolita ou glamourosa, acontecia  ali mesmo na praça. Lá uns bancos para sentar-se e ver a vida passar e umas pequenas mesas feitas prá se jogar dama, onde no final da tarde jogava-se altos torneios de truco. Suas árvores eram frondosas e naquele dia os canteiros estavam multicoloridos e perfumados, com pequenas flores da primavera.

Na praça, o principal monumento e orgulho da população: – A Igreja de Nossa Senhora dos Milagres. Branquinha com detalhes em azul, toda bem cuidada, ela dominava a praça.

Ali ao lado a farmácia, aberta e sem ninguém. Perguntei a alguém que me explicou que se eu tivesse precisão era só tocar  a campainha que seu Gerônimo vinha atender. Ficava em casa lendo.  Que lugar intrigante Milagres.

Um açougue, algumas lojinhas. Uma portinha onde se lia: – barbeiro – home e muié. Mais algumas lojinhas e outra cuja placa que dizia, Magazine de luxo: – roupa de batismo, casamento, primeira comunhão e enterro! Enfim para todas as ocasiões e todos da família.

Rivalizando em importância havia na praça a venda da Dona Cidinha e seu Nestor, os mais ricos do povoado, não da região, pois o povo da vila trabalhava nas fazendas da redondeza onde lá sim moravam os ricos.

Entusiasmados diziam: “Oia dona nois aqui no estabelecimento, nois tem de um  tudo! Cereais para gente e bicho”

Bicho?

“É mio verde para gente e mio para porco -cavalo – galinha etc…

Nois tem arguma lata de sardinha, mas o povo aprefere o peixe pescado no rio.

Nois tem argum materiar de construção, areia, cemento, barde, pincer pros pintor e nois tem muntas cor de tinta.

Sabe dona nois vende pão e todos daqui compra nosso pão. Somo nois mesmo que faiz.”

Perguntei, e o povo paga direitinho?

“ Sabe dona, aqui nois tem cardeneta.”

“Eu, não tenho estudo, mais nosso fio Ronaldo Robinho ele fais as conta tudo direitinho, porque ele tem estudo, mas nois não tem pobrema porque o povo milagreiro paga direito tudinho no fim do meis, quando os fazendeiro paga eles”

E o combustível, perguntei?

“ O posto de gasolina fica na rodovia e quando nois precisa o seu Geronimo da farmácia busca, mas nois quasi num precisa mó de que tudo nois, usa mesmo é a bicicreta”.

Bem, me parece que a Senhora já está cansada de tanta pergunta.

Só mais uma pergunta D. Cida.

“Cida não, é só Cidinha que está nos ducumento”

E a escola? Os estudos? “Bom moça, tem a dona Conceição que é bem veia e foi prefessora na cidade grande. Ela é milagreira também e foi ela que ensinou nois tudo a lê e assinar o nome e também ensina os mininu. Mas quando eles tem que i pro grupo a pirua de Paixão vem buscar.”

É mesmo? Que legal. E como o povo de lá se chama?

“ Ah dona craro né, eles se chama paixonados”.

Fui até Paixão! Sua capela branca e azul, na praça da cidade era dedicada a Nossa Senhora da Paixão.

Que douçura, um povo tão puro e simples!

Ninguém faz milagres e não são apaixonados, mas honestos, direitos, gente simples e muito, muito mais felizes que eu, metropolitana, esnobe, insatisfeita e consumista.

Ah! Como gostaria de ser uma milagreira apoixonada!

PESQUISA

Fizemos uma pesquisa com diversas pessoas, perguntando:

 O que você faz quando está com raiva? As respostas:

 

1 – Desconto na minha mulher!

 

2 – Abro a geladeira. E o que tiver eu mando bala!

 

3 – Vou ao Shopping e compro tudo o que eu não preciso. Cobrir o cartão?

depois eu penso.

 

4 – Fico com uma dor de estômago infernal!

 

5 – Dirijo toda a raiva para meu “bode expiatório”. Explico: bode expiatório é aquela pessoa que tudo que acontece de errado com a gente, a culpa é dela. (Invejosa, olho gordo, me pôs quebranto).

 

6 – Abro o açucareiro e como uma colher bem cheia. Sem remorso.

 

7 – Pego uma edição de Caras e pico em pedacinhos. Palhaçada, felicidade falsa, gente que não tem o que fazer, ilha da fantasia…

 

8 – Vou em frente ao espelho e começo a lutar boxe contra um adversário imaginário, quase sempre eu venço!!!

 

9 – Fico roendo as unhas. Pelo menos faço economia de manicure.

 

10 – Puxo meu cabelo com força. Depois eu penso: “Gastei uma nota no cabeleireiro, é bom parar.”

 

11 – Faço limpeza nas gavetas. Jogo tudo no chão. Não recolho nada. (só no dia seguinte quando a raiva já passou).

 

12 – Me tranco no banheiro e falo todos palavrões que conheço. Alguns novos eu invento.

13 – Fico chorando, chorando, até secar as lágrimas. Como diz minha avó “quando mais chora menos faz xixi”.

 

14 – Vou no cabeleireiro, mando cortar o meu cabelo bem curtinho. Fica uma merda, desvio a raiva em cima do cabeleireiro. (imbecil, por que não avisou que não sabia cortar um cabelo crespo como o meu? )

 

15 – Quando estou com raiva tiro caca do nariz, faço uma bolinha e atiro no cabelo de alguém sem ela notar. Morro de rir sozinha e a raiva passa.

 

16 – Ligo a FM prá relaxar. Toca um funk. Fico mais nervosa ainda. Chuto o rádio.

 

17 –  Olho o céu azul, vejo as flores, sinto as folhas balançando nas árvores e quer saber? Acho tudo uma merda. A raiva só vai passar quando ele me ligar. Aí percebo a beleza do mundo!

 

18 – Raiva eu só senti, quando aquela periguete me roubou o namorado. E ainda me gozou. Piquei a foto dele e joguei na privada.

 

19 – A raiva é um mau humor assumido, que extrapolou.

 

20 – Em tempo: pense e defina quem é o seu bode expiatório?