Arquivo da tag: #contos#meninaursa

Menina Ursa

 

Por Sandra Romano

Sandra Romano

Eu sou a menina ursa. Quer dizer, não que eu seja parecida com uma ursa peluda, nada disso. Ganhei esse apelido depois de uma besteira engraçada que eu fiz, tentando acabar com minha solidão. Tenho 10 anos e nasci no interior dos Estados Unidos, numa região de lindas florestas e repleta de animais selvagens. Mas por ser uma região afastada, aqui também pode ser muito solitário. Moro com minha mãe muito longe da cidade, numa casa de madeira perto da reserva florestal, onde ela trabalha como meteorologista. Muitas vezes ela erra a previsão e fala que é culpa dos aparelhos! Mamãe trabalha muito e as vezes quando não quero ficar sozinha, vou junto, mas confesso que ficar no meio daqueles aparelhos pode ser entediante. Minha escola fica a uma hora de casa. Mamãe me leva de carro durante os dias mais quentes, mas durante o inverno quase não consigo ir, principalmente por causa da neve. Então eu fico isolada e a professora manda todo o material para que eu estude em casa. Nesses dias me sinto muito sozinha. Eu queria ter pelo menos um cãozinho, mas depois de Doggy mamãe nunca quis outro cão, diz que sofreu demais com a doença do bichinho. Mas agora sou que sofro… de solidão. Pensando em como resolver esse problema, tive uma ideia que me valeu o apelido de menina ursa. Surgiu quando eu estava lembrando do Halloween do ano passado quando me fantasiei de múmia muda. Me enfaixei inteira, apenas deixando os olhos e o buraquinho do nariz de fora. Tudo isso pra ficar do lado dele, minha paixão platônica, o ruivinho da aula de piano sem que ele percebesse. Foi engraçado porque depois de passarmos a festa inteira juntos indo de casa em casa, ele disse: -Até logo amiga… alias você é nova por aqui, não? Isso mostrou que o disfarce funcionou perfeitamente! Então estava resolvido: iria me fantasiar de bicho para arranjar amigos da floresta. Urso seria o disfarce mais indicado, e pelo meu tamanho não tinha muita escolha. Vesti um casaco de pele marrom da minha mãe que cobria ate o joelho e calcei botas de couro marrom, cobri a cabeça com um gorro de lã preta e calcei luvas escuras que deixavam as pontas dos dedos amostras “como garras”, pensei. Com toda coragem, comecei a sair no tempo gelado em direção a floresta todos os dias. A cada dia eu entrava um pouco mais fundo naquela mata, mas nenhum bichinho se aproximava, ao contrário, fugiam. Foi uma rotina gelada e cansativa. Quando estava quase desistindo, avistei com surpresa e medo uma família de ursos junto ao rio: a mãe com três filhotes. Quando me acalmei, tentei me aproximar, mas, achei mais prudente ficar só observando. Fiz isso durante vários dias seguidos. Só arrisquei uma aproximação quando vi que que a mãe tinha saído. Fui me aproximando bem devagar dos filhotes que começaram a me rondar, me cheirar… Depois de se acostumarem com minha presença, começaram a brincar, corriam e faziam ruídos engraçados a minha volta. Me davam patadas e com seus dedos pude sentir os pelos macios dos filhotes. Com eles passei três tardes muito divertidas! Eles já eram meus melhores amigos! A noite, sozinha na cama, em vez de solidão, me senti feliz… Porem, no quarto dia, surpresa! Dei de cara com mamãe ursa! Como havia me esquecido completamente dela? Ela me olhou bem nos olhos com furiosa curiosidade, talvez estranhando aquela fantasia, ou talvez estivesse sentindo em mim cheiro de seus filhotes. De repente ficou com a respiração pesada, e fungando ficou de pé me mostrando os dentes de um jeito nada amigável. Em pânico, corri como só quem encontra um urso zangado consegue correr, e com a habilidade que sempre tive subi bem alto na primeira arvore que encontrei. Por sorte era bem alta. La em baixo mamãe ursa furiosa, arranhava a terra, rodava em volta do caule arfando, querendo subir e me pegar. Fiquei desesperada, mas aos poucos fui me controlando. De repente visualizei minha situação: Tentando resolver meu problema de solidão, acabei no meio da floresta, sozinha em cima de uma arvore, ridicularmente fantasiada de bicho, correndo risco de virar comida de urso, passando medo, frio, longe de casa, da escola dos amigos, do ruivinho do piano, sem ursinhos, sem cachorro, sem mãe…. -Socorrooooooooooooo!!! Enquanto gritava o mais alto de podia, avistei uma fumaça fraca que vinha das profundezas da floresta, mas estava tão desesperada que nem dei importância. Depois de muito berrar e chorar, apareceram dois guardas florestais que afastaram a ursa e me resgataram -Que fantasia é essa garota? Disse o guarda quase sorrindo. -É uma longa historia seu guarda, Disse envergonhada, e aproveitando para mudar de assunto, contei a eles da fumaça que havia visto na floresta. Chegando no calor da minha casa, pensei na minha mãe, em quanto ela me amava… como a minha mamãe ursa meteorogista! Resumindo a história: Eu ganhei o apelido de menina ursa, virei heroína por ter impedido um grande incêndio e na escola por ter tido a coragem de brincar com filhotes de ursos selvagens e enfrentar uma ursa furiosa. Mas meu problema de solidão mesmo, só foi resolvido mesmo com dois cãezinhos que ganhei da minha mãe e com o olhar apaixonado de um certo ruivinho assim que entrei na sala de musica.