Arquivos mensais: novembro 2017

Dog

Nós éramos três irmãos, três moleques. Como todos os meninos  aprontávamos o dia inteiro.

 

Um dia minha mãe ganhou um cachorrinho para criar. Era um Fox Paulistinha de pêlo ralo e muito irrequieto. Ela mesmo escolheu o nome: “vai se chamar Dog”. Achamos estranho, nós não sabíamos que Dog era cão em inglês.

 

O Dog era nossa diversão diária. Fazíamos com ele as maiores loucuras, principalmente quando minha mãe não estava por perto.

 

Aos poucos o Dog foi se estressando, até se tornar um cão neurótico. Uma das brincadeiras que fazíamos era toreá-lo com uma toalha. Ele vinha enfurecido pegar a toalha e nós gritávamos “OLÉ”. Qualquer coisa que fizéssemos para irrita-lo ele correspondia, mostrando os dentes e rangendo, para nosso delírio.

 

Como era de se esperar muitos casos envolvendo o Dog foram acontecendo.

 

Me lembro de uma vez que ele quis morder uma visita. Este tentou se defender com o guarda-chuva que carregava. Pois bem, desse dia em diante qualquer pessoa que passasse na rua com guarda- chuva, ele atacava até destruí-lo inteiro. As pessoas reclamavam com a minha mãe, que por sua vez nos punha de castigo, nós e o Dog.

 

Tinha um verdureiro que passava pela nossa porta com um carrinho cheio de verduras, oferecendo nas casas. Só que esse verdureiro tinha uma das pernas duras, passava mancando. Pois o Dog tinha certeza que ele mancava só para provocá-lo . Todas as vezes  tentava morde-lo.

 

E lá vinha a reclamação para minha mãe, que punha o Dog e a nós de castigo.

 

O Dog tinha um jeito de atacar: vinha de mansinho, e de repente dava o bote em suas vítimas.

Minha mãe resolveu prende-lo com uma coleira e uma corrente. Pois não é que o danado na hora de colocar coleira inchava o pescoço de tal forma que a coleira ficava sempre folgada. A hora de ele quisesse com um movimento do focinho ele se soltava.

 

A fama de mau caráter foi se alastrando na vizinhança, todos reclamavam com a minha mãe,  “como a senhora deixa um cachorro desses em casa? ”. Meu pai foi ficando irritado, discutindo, é claro, com minha mãe, como se a culpa fosse dela.

 

As reclamações aumentavam. Quando uma cachorrinha entrava no cio, ninguém conseguia segurar o Dog. As vezes sumia por dias. Quando voltava estava magro, acabado, muitas vezes ferido com brigas com outros cachorros. Nessas ocasiões tomava muita agua e dormia por dias e quando acordava era o Dog de sempre. Aprontando.

 

Ele adorava crianças e aguentava tudo o que faziamos com ele. Jamais mordeu um de nós.

 

As vezes dávamos chauzinho com as mãos fazendo uma garra e ele mostrava os dentes. Agente adorava a sua reação às provocações.

 

Um dia aconteceu o inevitável: meu pai resolveu dar o Dog para alguém, com a condição de tratá-lo bem. Com a fama que ele tinha na vizinhança ninguém o quis. Havia um motorista que fazia serviços para meu pai. Era o Zé Caipira. Magrinho, bem alto com um cavanhaque bem comprido. Ele gostava muito da nossa família.

 

Todo ano, próximo ao Natal, o Zé Caipira nos presenteava com um cabritinho, só que vivo. Não preciso dizer o tamanho do problema que nos causava.

 

Pois o Zé Caipira foi o único que aceitou levar o Dog para casa. Morava na periferia.

 

Depois de uns dez ou quinze dias apareceu na nossa porta um outro cachorro, sujo, magro. Ele não entrou, ficou só na nossa porta parado dormindo. Demorou um tempo para a gente reconhecer que era o Dog. Mandamos  ele entrar, minha mãe o lavou e cuidou de suas feridas, ele bebeu muita agua, se alimentou e dormiu. Só depois de dois dias ele despertou, inicialmente se tornou manso e sociável. Só depois de uns cinco dias voltou a ser o Dog de sempre para a alegria de todos.

 

Nota do autor.

 

Apesar de todas as loucuras e brincadeiras que fizemos com o Dog, nós o amávamos.

Ele também nos amava. Ficava todo dia esperando a nossa volta da escola. Fazia festa. Quando alguém adoecia, não saía do pé da cama.

Foi um cão que marcou nossas vidas para sempre. Dog, você esta vivo na nossa memória.