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O Menino da Porteira

Tudo começou com a maravilhosa composição de Teddy Vieira e Luiz Raimundo, depois eternizada pelo cantor Sérgio Reis, do “ Menino da Porteira. “

 

Confesso que minha avó, Dona Feliciana era a única parteira da cidadezinha onde eu morava de nome “ Bela Estrada” em Minas.

 

Não havia ninguém, que tivesse nascido lá, que não fosse pelas mãos de Dona Feliciana. Havia aprendido com sua mãe dona Sebastiana, desde pequena a ser parteira, como sua mãe.

 

Magrinha, de mãos delicadas e olhar profundo, nada escapava de sua visão.

 

Era adorada no lugar. Todos os dias me levava a escola no pré-primário e depois no primário.

 

Todos diziam: “ Lá vai o menino da parteira”, de gozação, claro.

 

Quando eu aprontava alguma na escola, não fazia a lição, ou participasse de uma bagunça na classe, quem era chamada? A vó Feliciana.

 

Na cidade, ninguém me chamava por João Caetano, que é o meu nome, mas por                “menino da parteira. “

 

Quando comecei, o secundário já ia sozinho para escola, mas no caminho todos ainda insistiam: Lá vai o “menino da parteira” e davam risada.

 

Foi assim até que eu comecei o colegial. Quando enfim terminei, ficou uma grande dúvida na minha cabeça. “ Que carreira vou seguir? “ Aliás como acontece com quase todos os jovens.

 

Uma noite sonhei com vó Feliciana que ainda era viva, só que em outra dimensão. No sonho ela me dizia para ser médico. Virar parteiro e manter a tradição da família.

 

Aquilo ficou na minha cabeça. Médico? Logo eu? Prefiro ser jogador de futebol.

 

O tempo foi passando e o sonho martelando minha cabeça. Um dia apareceram lá em casa, Três meninas gêmeas, adolescentes, que tinham vindo ao mundo, pelas mãos de vó Feliciana, pensei é mais um aviso.

 

Gostei de uma delas, a mais sorridente e rolou um namorico.

 

Comecei a pensar como seria bom, viver em Belo Horizonte. Poderia ir à cinemas, lanchonetes, quem sabe conhecer alguém, ir a baladas, festas.  Mas antes teria que estudar. Pensei, “ agora chegou a hora. Tenho que decidir, jogador de futebol já vi que não daria.

 

Pensei “ será que estou preparado para enfrentar um vestibular? “

Me lembrei que lá na minha terra, eu tinha feito um bom curso. Graças a minha vó Feliciana, as professoras sempre tiveram por mim, um carinho todo especial, um atendimento diferenciado.

 

No dia de escolher o curso, passei uma noite agitada. Quase não conseguir dormir. Levantei durante a madrugada liguei a TV, e aí aconteceu uma coisa surpreendente: apareceu o Sérgio Reis cantando o “ menino da porteira. ”

 

Pronto, recebi o recado, no dia seguinte me escrevi para o curso de medicina.

 

Prestei vestibular e entrei agradecida a Deus pelas professoras que tive.

 

O curso não foi fácil. Exigiu muito trabalho, empenho, sacrifícios.

 

Formado, comecei a trabalhar em Belo Horizonte. Residência e ambulatório.

 

Depois de um ano, senti vontade de fazer uma visita à minha terra.

 

Lá chegando, fui recebido com carinho que só as pessoas das pequenas Cidades costumam dar. Vieram pessoas que minha avó ajudou a nascer, antigas professoras, amigos de infância. Foi aí que eu pensei: meu lugar é aqui.

 

Larguei meu trabalho em Belo Horizonte e vim transferido para o posto de saúde daqui, onde faço tudo, inclusive parto. Voltei a ser o “ menino da parteira”.

 

Continuo apaixonado por uma das gêmeas. Acho que até o fim do ano, vamos casar.

 

E aí começar tudo de novo.

O Vice Deus

Acabo de ler no livro Homo-Sapiense de Y.N. Harari, que o homem há 70 mil anos era um animal sem qualquer expressão no Planeta.

 

E 70 mil anos, em se tratando de idade geológica é praticamente ontem.

 

Mas é inegável que de lá para cá, o Homo-Sapiense teve uma evolução fantástica que está acontecendo ainda hoje com uma velocidade exponencial.

 

Aprendemos a fissurar o átomo, a modificar a molécula de sementes de alimentos, para aumentar a produtividade.

 

Construímos cidades, habitações, um comércio mundial, meios de transporte espetaculares, trem, automóveis, navios, aviões foguetes.

Criamos músicas que chegam na alma.

 

Estivemos na Lua e estamos explorando, cada vez mais o espaço sideral.

 

Por outro lado, destruímos cada vez mais ou meio ambiente. Exterminamos espécies animais, criamos outras, queimamos florestas, bloqueamos rios, estamos derretendo as geleiras.

 

Estamos nos reproduzindo a uma velocidade incrível. Hoje somos quase 8 bilhões de seres humanos.

Escrevemos livros sublimes, bíblias

 

A pergunta que se faz: para onde vamos indo? Até quando o Homo-Sapiense pensa que é vice Deus?

 

Ou tomamos juízo ou…mas contamos com a Providência divina e a capacidade do homem de superar problemas.

 

Vamos em frente.

Antonia

Bem na esquina morava Dona Antônia. Na Cidade todo mundo a conhecia. Implicava com tudo, com os moleques que jogavam futebol na rua, com os carros que passavam em velocidade.

Sua vítima mais constante era o jornaleiro Toninho, que tinha uma banca um pouco mais para lá.

Ela tentou, porque tentou tirar o jornaleiro de lá: Foi até falar com o Prefeito. Ela dizia: “ele ocupa toda calçada, não dá para passar ninguém, e a sujeira que ele faz! Fuma como uma chaminé e a fumaça entra pela minha janela. ”. Não sei como porque, a janela dela estava sempre fechada.

A única criatura que a aturava Dona Antônia era o cachorrinho vira lata que vivia com ela.

Dava broncas terríveis nele. Parece que ele nem ligava. Permanecia estático, olhando para frente com a cara de paisagem.

A calçada em frente à casa de Dona Antônia, era mais limpa da Cidade.

De madrugada era comum vê-la esfregando com um escovão, e sabão de pedra, e aí é que estava o problema. Se alguém passasse com o sapato sujo, deixando suas marcas, essa mulher entrava em transe.

Gritava, xingava, a coisa mais bonita que falava era:  “ seu porco de M. vai pro chiqueiro. ”

Quando passavam as adolescentes e cuspiam um chiclete, para desgrudar ela ficava de joelhos na calçada, raspando até que tirasse tudo.

Quase na outra esquina veio morar uma moça do interior. Tininha era o nome dela.

Quando chegou na rua não acreditou que pudesse existir pessoa tão mau humorada. Pensou, vou dobrar essa mulher.

Fez um bolo e mandou um pedaço para Dona Antônia, ela experimentou e disse: “tá embatumado. “

Tininha não desistiu. Fez brigadeiro e mandou um pratinho.

Dona Antônia provou e disse: “ O gosto é bom, mas não está no ponto. ”

Que progresso pensou Tininha, pelo menos o gosto estava bom.

Acontece que Tininha estava grávida, e mais algumas semanas nasceram as gêmeas. Dona Antônia ficou sabendo e teve curiosidade de ver as meninas.

A primeira vez que Tininha saiu de casa com as bebês, num carrinho duplo, Dona Antônia não se aguentou e veio ver as crianças.

Deu risadinha, incrível, nunca se tinha visto isso.

Todos os dias pela manhã, quando Tininha ia passear com as nenês, Dona Antônia descia. Uma das vezes trouxe um par de meinhas e uma touca, para cada uma delas, de crochê, que ela mesma fizera.

Com o passar dos dias, Tininha percebeu que Dona Antônia era uma pessoa carente, nunca se casara, nunca tivera filhos.

Depois disso aos poucos, ela foi amolecendo. Todos os dias, depois do almoço levava cafezinho pro Toninho joalheiro, antes seu inimigo mortal.

Quando encontrava as crianças, estendia os braços para elas e dizia: “ vem com a vovó. ”

Ficou muito amiga de Tininha, que por ser do Interior, não tinha com quem deixar as crianças quando saia. Dona Antônia, então se sentia a mais feliz das criaturas.

Nota do Autor: Este é um conto de ficção, a única coisa verdadeira é o personagem Tininha que é do livro “ mulheres reciclando a alma. ”

 

 

 

 

 

 

 

 

Destino

Vida, vento, velas, pra onde me levas? (Raimundo Nonato). Deixa a vida me levar, vida leva eu (Zeca Pagodinho).

 

Os espíritas dizem: “Estamos aqui para cumprir nossa missão”. E eu pergunto: “Existe Destino”? Cada um de nós quando nasce, tem um destino marcado? E aonde fica livre arbítrio do ser humano?

 

Quantas pessoas procuram uma cartomante para saber seu Destino. Terá alguma base lógica?

 

Ninguém pode negar que algumas coisas são traçadas. Porque eu nasci aqui neste lugar, porque pertenço a esta família, porque fui escolhido para ser filho, desse pai e dessa mãe, porque tenho esses irmãos?

 

Então, poderíamos dizer que, a nossa partida foi escolha o Destino. Bem, daí em diante, nós podemos interagir?

 

Podemos dizer que nenhum ser humano é totalmente livre?

 

Todos nascemos com uma carga genética, que não podemos renunciar. Ela está lá. São o fruto dos nossos antepassados. Sem dúvida vai nos orientar pela vida.

 

Nas religiões o Destino é determinado pela Divindade. Existem fatos, fatalidade, que temos que passar?

 

Alheio a nossa vontade, temos ações vitais executadas por nosso organismo: como batimentos cardíaco, circulação sanguínea, respiração, etc. De certa forma é impossível escapar desse Destino.

 

Desde o nosso nascimento, quando viemos ao mundo, em todo momento, é o nosso Destino evoluir, aprender, contestar. Nos tornarmos jovens, maduros, velhos e depois morrermos. Disso ninguém pode fugir, essa etapa final do Destino também é imposto.

 

Conhecer a si mesmo é crucial, é mutável pelas circunstâncias. Não podemos mudar as coisas, mas sim nossa relação com ela, e a maneira de vive-las.

 

Nosso livre arbítrio, então é relativo. “ Vida, vento, velas, pra onde me levas”?

POEIRA

Uma noite bem clara, num local bem afastado, o namorado querendo impressionar sua amada, diz que de onde eles estão da pra ver 5 mil estrelas.

 

E ele está certo. Só dá pra ver isso. Acontece que a Via Láctea que é a galáxia onde habitamos tem 2 bilhões de estrelas catalogadas. Não catalogadas são 200 bilhões de estrela.

 

O nosso Sol, coitado, uma estrela de 5º grandeza, é apenas uma delas.

 

O mais impressionante, é que a nossa Via Láctea, é apenas uma galáxia no meio de 3 trilhões de outras galáxias.

 

Deus quando criou o universo estava com mania de grandeza.

 

Se pensarmos o que representa a Terra, um mísero planetinha de uma estrela de quinta grandeza.

 

E nós seres humanos, e nesse planeta fantástico que é a Terra?

 

Que representamos? Uma micra poeirinha?

 

E aí que é que está a coisa.

 

Somos uma poeirinha criada por Deus. Que nós deu inteligência e livre arbítrio para conhecermos esses fatos.

 

Poeirinha, que nasce, se alimenta no seio materno, que desde cedo, sorri, chora, faz beicinho, quer colo, aprende a andar, as primeiras palavras, brincar com outras crianças, cresce, vai na escola, tem os primeiros amores, e assim vai se enriquecendo intelectualmente. Chega na juventude e maturidade, constituí uma nova família, tem filhos, e daí por diante.

Que coisa fantástica que é a vida. Que coisa fantástica que é Deus.

 

Ele ainda teve tempo de construir um Planeta maravilhoso, onde nós habitamos, com seus mares, suas montanhas, suas florestas, seus rios, seus picos gelados, suas praias, e todos os seres do reino animal e vegetal.

 

Daí se pode perguntar: pela nossa posição em relação ao universo, é licito se achar, grande importante, poderoso?

 

É certo se aborrecer por coisas pequenas, se a gente vive nessa imensidão?

 

 

 

 

 

 

 

MÉDICO CHINÊS

 

 

A menina não parava de chorar. Perdera o primeiro amor aos 15 anos: ele se encantou por outra.

A pobre acordava com os olhos inchados, soluçava a noite toda.

E durante o dia lágrimas frescas escorriam.

Não comia, não estudava, ou assistia à tv.  Nem com as amigas falava mais.

Passava o dia no sofá esperando o telefone tocar em vão.

A mãe não sabia o que fazer, ela mesma nunca passara por aquilo. Casou-se com o primeiro namorado, um namoro chocho, ao contrário da filha, nunca sentira a força avassaladora da paixão.

Chazinhos, calmantes, chocolate, presentes, nada remendava o coração quebrado da filha.

A mãe assuntava com todos que conhecia:

-Não sei o mais que fazer!

A chinesa da feira ouviu as lamentações da freguesa e deu a entender que poderia ajudar:

⁃              Vai médico“sinez! ”

A mãe titubeou..médico chinês? Chinês…será? É esquisito…eles põem aquelas agulhas, manda comer tatu bola frito…

Quase declinou, mas era uma tentativa não custava.

No dia seguinte a menina se arrastava ao lado da mãe rumo ao bairro chinês.

O consultório d Dr “sinez “ficava no fundo de um restaurante.

Elas sentaram em umas cadeiras de pano floral gastas e duras. Logo apareceu um senhor chinês de jaleco branco, robusto. Sentou -se e deu uma olhadela para as duas. Não falou nada. Nem perguntou qual era a queixa da paciente. Entregou para a mãe um vidro grande com centenas de pílulas prateadas do tamanho da cabeça de um alfinete.

“ Uma bolinha por dia” falou. E se retirou.

A mãe meio confusa, pegou aquele vidro, olhou, achou estranho, sem nenhum rótulo…

“Não vou dar isso para a menina”,

Mas depois pensou na feirante Dona Mitiko, era sua freguesa há anos, e Mitiko era uma mulher muito séria, não ia indicar charlatão.

E assim resolveu dar o remédio para filha.

Uma por dia, o Dr falou.

Uma bolinha prateada

Dia após dia…

Uma bolinha…

Após dia, uma bolinha…

Uma bolinha…

Bolinha

Bolinha

Após dia, uma bolinha…

Uma bolinha…bolinha.

Bolinha…

Um dia a menina acordou pedindo o pãozinho com manteiga especial da mãe.

Depois pediu para ir no salão.  Queria o cabelo da moda. Combinou de sair com as amigas. E saiu toda perfumada. E de batom.

A mãe, aliviada por ver a filha viva novamente não se conteve no seu contentamento!

Não se segurou e foi até o consultório do Dr “ sinez” para contar sobre a cura da sua filhinha, levar o um bolinho de fubá, sua especialidade.

Na saída, encarou o Doutor e perguntou:

-Me desculpe Doutor, mas do que é feito esse remédio? Os princípios ativos, ingredientes? O que há nessas bolinhas afinal??

Dr “Sinez” apertou os olhinhos:

⁃              “Tempo”

VIOLÃO

O violão é muito mais que um instrumento musical. É um objeto de paixões desenfreadas, como se pode ver na música: “Se você quiser eu dou um cigarro pra fumar, empresto minha mulher se você quiser sambar, faço qualquer sacrifício pra você aproveitar mas por favor: não põe a mão no meu violão.” Quer dizer, tem mais ciúmes do violão do que da mulher.

 

Violão é democrático. Está na casa do milionário e no barraco da favela.

 

Conheço um marido que ao se separar da mulher disse: “Não quero nada, só minha caixa de ferramentas e meu violão.” 

 

Cantado em verso e prosa: violão, cavaquinho, tamborim na marcação e reco-reco. Vejam a prioridade, primeiro o violão.

 

“Quem roubou meu violão de estimação foi ela.” Perdeu o amor com certeza.

 

Em minha casa tinha um violão antigo, que foi do meu avô.

 

Minha avó dizia que foi em uma serenata que ela se apaixonou por ele.

 

Estava meio abandonado, com cordas quebradas todo arranhado. Mandei restaurar, ficou novinho em folha. Ai eu pensei, é agora! 

 

Arranjei uma professora para me ensinar a tocar. Ela veio com solfejos, partituras, compassos. Eu logo vi que não iria dar para mim. Preguiçoso e ligado em outras coisas.

 

O Violão ficou de lado, até que comecei a namorar uma menina que tocava muito bem. Ela então me ensinou algumas posições e com elas eu ia me virando. 

 

Hoje tenho um remorso de nunca ter aprendido direito. Agora é tarde para começar tudo de novo. Desculpe vovô.

 

O Brasil teve e tem grandes  violinistas: Toquinho, Baden-Pawell, Canhoto, Yamandu Costa.

 

Mas a grande maioria aprendeu como eu na orelhada, sem partitura sem nada.

 

Quando chego muito nervoso em casa, pego o violão e canto algumas músicas.

 

No final sempre digo “ isso bem tocado é bonito. “ Fico calmo e lembro dos versos de Custódio Mesquita. “A ventura desta vida é o luar, a cabrocha e o violão”…

Casos engraçados de casais

1-PRATOS

 

   Ele era o Roberto Rede. Ela era a Assunta. Os dois pavios curtíssimos, barril de pólvora,

esperando uma faísca.

 

   Quinze anos de casados. Quinze anos brigando e fazendo as pazes.

 

   Num jantar discutiram feio por qualquer coisa sem importância.

 

   Roberto Rede, pegou um prato e atirou no chão, deixando-o em mil pedaços.

 

   Assunta, não fez por menos: “ É pra quebrar? “Pegou outro prato e jogou no chão.

 

   Roberto Rede, revidou, outro prato, Assunta emendou, outro prato.

 

   Quebraram todos os pratos da mesa. Depois fizeram as pazes.

 

   No dia seguinte saíram para comprar pratos novos. Isto se repetiu algumas vezes.

 

   Até que alguém sugeriu: “ Por que vocês não compram pratos de plásticos?”

 

2- CARRO SPORT

 

   Lino gostava de carros Sport. Já tivera BMW, Mercedes, Jaguar. Agora conseguiu comprar um Porsche, lindíssimo.

 

   Pegou a mulher e foram passar um fim de semana, num hotel romântico, fora de São Paulo. Tudo lindo, maravilhoso.

 

   Ele acelerando ao máximo, só tomando contas dos radares.

 

   Na volta de repente sua mulher avisou “ vai devagar que tem um caminhão na estrada.”

 

   Lino ficou irritadíssimo. Diminuiu a marcha à 40 Km por hora, e voltou para casa nessa velocidade a estrada toda.

 

   Era ultrapassado por todos os veículos, que passavam gozando.

 

   A Mulher se fingindo de morta.

 

   Regressaram com uma hora em meia de atraso. Nunca mais ela falou nada enquanto ele dirigia.

 

   A partir desse dia começou a chamar o Porsche de “ A boneca.”

3- CONTROLE REMOTO

 

   Todos os casais discutem por causa do controle remoto da TV. Mas esse caso ultrapassou o limite.

 

   Eles eram bem gordinhos, sentados no sofá, tinham que fazer um grande esforço para levantar. Para simplificar vou chamá -los de Gordo e a Gorda.

 

   O controle ficava na mão da Gorda, ela manobrava. Cada vez que mudava de canal, o Gordo balançava a cabeça em sinal de protesto.

   

   No final do campeonato de futebol o Gordo ligou a Tv, com controle na mão.

 

   A Gorda protestou, queria ver novela.Tirou o controle da mão dele, e mudou de canal. Ele reagiu, pegou o controle e voltou ao futebol. Afinal era o time dele que estava na disputa.

 

   Quiz o destino, que o time dele perdesse.

 

   Ficou com raiva do técnico, do juiz, dos jogadores, da mulher que queria ver novela….Atirou o controle pela janela. Moravam no quinto andar.

 

   Deste dia em diante, quando queriam mudar o canal ou abaixar o som, era aquele esforço para levantar.

 

   A mulher sempre dizendo: “ Tá vendo foi jogar o controle fora.”

 

   Mas não durou muito tempo. Na loja da China, logo ali perto, tinha outro pra vender.

 

   Compraram outro e assim puderam continuar sua briga diária.

 

   Pelo menos os dois sentados.

 

4- SERVIÇO PÚBLICO

 

   Ele trabalhava no serviço público municipal no atendimento no setor de água-esgoto.

 

   Era uma fila constante. Uns reclamando do valor da conta, outros denunciando um vizinho que lavava o carro na rua, entupimentos etc.

 

   Caso por caso ele ia atendendo e encaminhando a solução.

 

   Chegava em casa cansado de tanta reclamação e de tanto dar explicações.

 

   Sua mulher reclamava: “ Você não fala nada ?” E ele: “ Já não chega que falo o dia inteiro, não tenho vontade de conversar.”

 

   Assistiam TV e iam dormir. Uma madrugada ele acordou e vê sua mulher rindo com o celular na mão.

 

   “Com quem você está falando” e a esposa: “Com minhas amigas, já que você não fala comigo, falo com elas.”

 

   Ele ficou com aquilo na cabeça. Toda vez chegava em casa, encontrava a mulher no celular. No jantar eram mensagens à toda hora.

 

     Pensou “melhor investigar”. Tentou pegar o celular dela, mas não conseguiu nada. Tinha uma senha secreta.

 

   Conseguiu uma conta telefônica dela. Ficou impressionado com a quantidade de números que ela ligava.

 

   Tinha um número que se repetia sempre. “ Vou tentar.” Ligou. A voz que atendeu, reconheceu a sua e perguntou” é você Adolfo? “ Como você reconheceu minha voz?” “você esqueceu que eu sei, tudo a  seu respeito.” Tudo? “sim tudo. Aonde você encontrou meu número de telefone? “ Estava num caderninho da Laura. Só tinha o número. Ai eu fiquei curioso.”

 

   “Olha Adolfo. Vou contar pra sua mulher. Que história mais triste. Pensa que não percebo o jeito que você me olha toda vez que a gente se encontra?” Ele apenas sorriu, e desligou.

 

   A noite quando chegou em casa levou a maior bronca da mulher. “ Quer dizer que você não tem vontade de falar comigo, agora para de se fazer de engraçadinho, jogando um papo furado com minha amiga, ai você tem?”

 

   Adolfo não teve argumentos. ficaram uns dias sem se conversar.

 

   Ele então pediu na repartição para passar ao atendimento digital. Aí não precisava falar o dia inteiro.

 

   Melhorou seu diálogo. Descobriu que não precisava nem falar. O que sua mulher queria era sua atenção.

 

   

    

 

   

 

   

GUARDA CHUVA

   Vocês já repararam como é complexo um guarda chuva? Com todas aquelas varetinhas, o tecido que fica todo esticadinho quando se abre. O Botão que trava e destrava, os biquinhos que seguram as varetas, o cabo? E ainda tem alguns que dobram no meio e ficam pequeninos.

 

      Não sei como os chineses fazem para vender esses guarda chuvas tão barato.

 

   Mas isso não vem ao caso. Quero contar  algumas histórias de guarda chuva que aconteceram comigo.

 

1- ESTÁTUA DA LIBERDADE

 

    Estávamos eu e minha mulher com um casal de amigos, visitando Nova York, quando fomos ver a famosa estátua. Enquanto esperávamos na fila para tomar o barco que faz a travessia, começou a cair alguns pingos de chuva. Resolvi então comprar de um ambulante, um guarda chuva. Falei para o casal de amigos para eles comprarem outro para eles. Se recusaram taxativamente.

 

    De repente os pingos de chuva começaram a apertar, até se transformarem numa chuva pesada. Eu e minha mulher nos abrigamos no guarda chuva que tínhamos comprado, e o casal de amigos, debaixo da chuva. Convidamos para eles se abrigarem também. Resultado, ficamos os quatros ensopados.

 

2- VISITA AO CASTELO

 

   Numa Excursão fomos visitar um castelo. Como estava chovendo, abrimos nosso guarda chuva, até a entrada. Era um guarda chuva meio baleado, inclusive com uma vareta quebrada. Mas numa emergência serviu. Na porta do castelo, o porteiro nos avisou que não poderíamos entrar, que era obrigatório deixar o guarda chuva numa cesta de aço, juntamente onde os outros turistas deixaram o deles.

 

   Visitamos o castelo e na saída constatei que alguém tinha levado o nosso. Não pensamos duas vezes escolhemos um outro bem maneiro e pegamos.

 

   Até hoje nunca ninguém reclamou.

 

3- UM GUARDA CHUVA DE GRIFF

 

   Não lembro se era um Valentino ou um Dior, minha mulher se encantou com um deles numa loja e quis comprar. Apesar dos meus argumentos contrários acabou comprando.

 

   Deixou no carro de prevenção para a primeira chuva. Ela doida de vontade para estrear o guarda chuva. Até que chegou o dia. Abriu a porta do carro com o guarda chuva ainda fechado, quando dois trombadinhas que passavam, tomaram da mão dela, e fugiram. Quando eu ia começar uma bronca, ela começou chorar, achei que melhor não.

 

4- NO RESTAURANTE 

 

   Devo ganhar uma medalha dos chineses por todos os guarda chuvas que perdi.

 

   Mas teve uma ocasião que eu estava  com minha mulher almoçando num restaurante ao ar livre.

 

   Na nossa mesa, pendurado na cadeira alguém havia esquecido um guarda chuva. De repente, começou a cair uma chuva forte. Minha mulher não teve dúvidas abriu o guarda chuva para nos abrigar até a parte coberta do restaurante. A chuva persistiu e ficou miudinha mas constante.

 

   Resolvemos ir embora com o guarda chuva encontrado.

 

   No dia seguinte fomos não sei em qual lugar, e perdemos o guarda chuva.

 

   Foi aí que concluímos que ele era mutante e gostava de mudar de dono.

 

5- VELHINHO

 

  Chovia forte. Um velhinho com grande impermeável e com guarda chuva na mão vinha passando.

 

   Nós de carro perguntamos se ele conhecia aonde ficava o lugar que estávamos procurando.

 

   Ele muito solícito falou “ estou indo pra lá mostro o caminho pra vocês”,  entrou no carro. Caminhávamos mais ou menos uns cem metros, na mesma rua quando ele falou “ é aqui “. Desceu do carro deixando o banco molhado e uma poça de água no chão do carro.

Não era o local que estávamos procurando, o velhinho simplesmente pegou uma carona até onde ele ia.

 

6- ALMA LAVADA 

 

   Seria a primeira viagem com a escola que minha pequena faria. A primeira noite que dormiria fora de casa. Na véspera fizemos a mala, separamos suas coisas, tentando aplacar aquela dorzinha no coração que eu e ela no fundo, estávamos sentindo.

 

   O ônibus da escola sairia às 6 da manhã…. Acordamos, nos vestimos e lá fomos nós. Assim, que chegamos na escola, caiu um toró daqueles ! 

 

   As crianças subiram no ônibus correndo, nos despedimos encorajando e tentando convencer as eles e a nós mesmas. 

 

  “Ah! que legal, filhos, vai ser máximo !! Até aí a chuva colaborou dando uma trégua; mas só eles subirem que a chuva apertou, e enquanto o ônibus não saia, as mães se colocaram em linha com seus guarda chuva ou organizaram-se em duplas no guarda chuva com as amigas. 

 

Sobrei!  só eu estava sem guarda chuva. De repente avistei uma mãe sozinha no guarda chuva e pedi pra ela se podia pegar uma caroninha com ela. Ela meio contra gosto falou “ tudo bem” , mas percebi, quando entrei debaixo do mesmo teto dela, que ela puxava o guarda chuva para ela, que ainda inclinava de quando e quando, e assim caía uma chuva extra em metade do meu cabelo.

 

Aquilo já era demais! Humilhação tem limites.!

 

Olhei bem no rosto dela e disse: – Obrigada, Mirela por sua solidariedade.

 

   E sai debaixo do guarda chuva dela, com a cabeça erguida e o cabelo desgrenhado. Nisso o ônibus começou a fazer barulho e minha pequena, a acenar “Tchauzinho”.

 

  Eu via aqui aquilo e as lágrimas corriam, se misturavam com a chuva, eu acenava,chorava e me sentia grata: pela minha filha estar crescendo, por ser mãe dela, pela vida!

 

Aquela chuva, lavou minha alma! “obrigada Mirella, por esta oportunidade”.

 

   

 

A Vida

                                                     

Ficaram amigos. Todos moleques no primeiro ano da Faculdade de engenharia de uma Cidade do interior. Éram em dez: o Nenê, o Galã, o Prancha, o Baixote, o Limeira, o Barba, o Naldo de Pocinhos, o Velho, o CDF e o Jau.

 

Moravam na Estância, um hotel, um pouco afastado da cidade. Para todos era a primeira experiência fora de casa.

 

Tinham aula de manhã e à tarde. Quando voltavam ao hotel jogavam futebol até não enxergar mais a bola.

 

Cada um tinha lá as suas características. Um alegre, outro irresponsável, outro meio sério, não gostava de gozações, outro brigão, um CDF que só pensava em estudar…

 

No começo se estranharam, vivendo cada um à sua maneira, mas sempre juntos e felizes, com aquela alegria típica da juventude. Aos poucos se uniram e formaram como uma grande família.

 

O CDF não gostava de dividir o quarto com outro estudante. Foi para um quarto sozinho. Gostava de silêncio e de tudo arrumadinho. Com uns caixotes que achou no hotel, construiu uma escrivaninha e uma estante.  Se organizou numa espécie de escritório. Este lugar era muito frequentado pelos colegas do hotel na véspera de provas ou na entrega de algum trabalho. Funcionava como uma central de dúvidas.

 

O Prancha era um garoto muito sensível, por qualquer coisa chorava. Às vezes sozinho no quarto, lembrava da mãe e lá vinham as lagrimas.

 

O Nenê era um intelectual, sempre com um livro na mão (não de engenharia), discutia com profundidade qualquer assunto. Conhecia a história das civilizações, geografia então? Sabia tudo de cada país

 

O Limeira, adorava, contar causos como todo garoto do interior. Era engraçado e extremamente educado, jamais falava um palavrão

 

O velho ficava na dele, nunca descia para Cidade com os outros, para tomar umas cervejas, cantar e dar risadas.

 

O Jau era o único que tinha carro, uma picape meio baleada, mais pelo descuido do que pela idade do carro. Era o meio de transporte para as noitadas.

 

As meninas da cidade logo ficaram com um pé atrás com aquele bando de moleques, que só pensavam em brincadeiras e farras, e que logo que se formassem iriam dar o fora da Cidade.

 

Isto não impediu que um ou outro arranjasse uma namorada, especialmente o Galã que tinha um charme e uma beleza que as garotas não resistiam.

 

O CDF se permitia tocar violão de vez em quando. (Tocava mal) não o seu, pois não possuía, mas o do Naldo de Pocinhos.  Como se achava feio, compôs uma música apaixonada para uma namorada que eventualmente ele arranjasse. A música era sempre a mesma, só mudava o nome da amada de plantão. Essa tática às vezes dava certo.

 

O Galã não podia nem tomar uma cerveja que já ficava completamente embriagado (ou mais claro, bêbedo). Virava um brigão, procurava pessoas para se meter em encrenca, discutia com os colegas. O grupo tinha sempre que  salvá-lo e acalmá-lo.

 

O Barba, namorador por excelência, começou a paquerar uma menina, bonitinha que era nada mais, nada menos do que a filha do Prefeito, o homem mais rico da cidade (como sempre)

 

Pensou então “ como faço para conquista-la? “Lembrou-se da música que o CDF tinha composto para suas namoradas Era só trocar o nome e pronto. Deu certo, conquistou a menina, namoraram e acabaram se casando. Moram até hoje na cidade

 

 

Mas o que foi feito na vida de cada um deles?

 

Nenê que era de uma família de juristas ilustres, largou a engenharia e formou-se em Direito, hoje é Desembargador.

 

O Galâ formou-se em engenharia e virou Professor Universitário no Paraná. Dizem que até hoje encanta as alunas.

 

O Prancha que era de origem árabe, montou uma construtora e ficou muito rico

 

O Baixote desistiu da escola logo no primeiro ano, nunca mais se ouviu falar dele.

 

O Limeira formou-se em engenharia, fez especialização na área da agricultura, hoje é um grande produtor de laranjas na sua terra.

 

O Velho que era assim chamado, porque tinha uns cinco anos a mais que a turma, seguiu carreira no Jornalismo, com grande sucesso.

 

O Barba já foi dito, casou com a filha do Prefeito e mora na cidade. Como pertence a sociedade local, é muito considerado como engenheiro.

 

O Naldo de Pocinhos, que tocava violão, virou empresário de obras públicas e ficou muito bem de vida.

 

Ainda toca violão, mas só as músicas antigas. Se recusa tocar músicas atuais

 

O Jau foi tomar conta da fazenda da família. Chegou a se formar, mas nunca exerceu a profissão.

 

O CDF casou-se e teve quatro filhas e dez netos. Trabalha até hoje.  Ainda é criticado pelas filhas por causa da canção que compôs e que serviu para sua mãe se apaixonar por ele.

 

Nunca mais se encontraram.

 

Só ficaram as lembranças.

 

Assim é a vida

 

O JARDIM

Tinha pedras, tinha casca de árvore, tinha uma fontezinha com água corrente, tinha até plantas. Acho que tinha mais mato do que a plantas.

 

– As borboletas e os insetos não reclamavam, usavam e abusavam mesmo assim do jardim.

O único que se opunha era o jardineiro, que aparecia bem de vez e quando, arrancava os matos (só os graúdos) e molhava o resto.

 

– Um dia foi eleito um síndico que achou que era preciso fazer na frente do prédio, onde ficava o jardim, um estacionamento para motoboys, pois quase todos no prédio usavam seus serviços e não havia local onde pararem.

 

– Foi então que a dentista do 2º andar protestou: “ como acabar com o jardim? O Senhor está louco”?

 

– O advogado do 4º andar concordou: “ O jardim só dá despesas. “

 

– O velhinho que há anos ocupava o 73, disse: “ Para mim tanto faz “.

 

– Já o casal de psicólogos do 103 sugeriu: “ Vamos ampliar o jardim, diminuindo a escadaria de dois metros de largura.  Um metro é suficiente. ”

 

– O economista do 11º e 12º andar quis saber: “ Será que o síndico vai arcar com as despesas sozinho? Se for dividir eu sou contra. “

 

– A moça do 102 se ofendeu: “ Como retirar as plantinhas que eu mesmo ajudei a plantar? “

 

-Já o engenheiro do 53 foi sincero:  “ Eu nunca reparei que tinha um jardim na entrada. “

 

– A polêmica foi crescendo.  O Zelador opinou:  “ se fizer o estacionamento vai aumentar o serviço. Teremos que limpar o pátio. E as manchas de óleo? E as bitucas de cigarros que com certeza os motoboys vão deixar? “

 

– No elevador algum anônimo colocou um bilhete: “ Assassinos da natureza “

 

– Ninguém mais reclamou que o condomínio estava elevado. Que o consumo de água estava excessivo, o assunto era o jardim.

 

– Foi aí que alguém opinou: “ Vamos deixar para a próxima reunião. “

 

– O sindico por sua vez perdeu o sossego. A toda hora batiam na sua porta para reclamar ou dar apoio.

 

– Foi aí que aconteceu o previsto, o sindico renunciou em caráter irretratável e irrevogável, e tudo continuou “como D’Antes no Quartel de Abrantes. ”

 

Eu lendo esta história fico pensando, se um simples jardim de um prédio, deu toda essa polêmica, imagina no Congresso Nacional, na discussão dos grandes problemas nacionais

 

O Politico

Maria era uma moça muito simples. Nascida e criada na roça. Costumava dizer que não tinha “ nem leitura e nem escrita “

Tinha irmãos, que se consideravam melhores que ela, pois sabiam ler e escrever.

Mas…Maria tinha um dom, que a fazia ser importante no pequeno povoado em que vivia. Ela benzia tudo!

Dor de cabeça, quebrante, dor de barriga, lombriga, inveja, enfim, desde os bebês até os mais idosos, todos sempre a procuravam para alguma dor, pois ela além de benzer  também ouvia com atenção à todos, que naturalmente a queriam bem. Com isso sempre ganhava presentinhos, que gostava de distribuir paras crianças do povoado.

Um dia, próximo das eleições, eis que chega Dr. X, causando um grande alvoroço! Pois não estavam acostumados à celebridades.

Dr. X, ao descer do pequeno carro de som, deu um mau jeito no quadril.

Vieram as autoridades da saúde. O Prefeito, que era farmacêutico e um médico, que era idoso, havia escolhido morar num lugar bem calmo, depois de uma vida muito atribulada na cidade grande.  Atendia a população como voluntário. Todos logo disseram: “ melhor chamar a Maria”

Os companheiros de Dr. X, quiseram saber quem era Drª Maria.

A Drª?  A” não, ela só reza!”

Bem se não tem outro remédio, foram buscar Dona Maria. Foram todos à casa dela, e bateram a porta.

“ Entra! “

“ É aqui que mora a Maria, a benzedeira? ”

Moço, aqui não tem benzedeira, só a Maria que reza.

Ah! Está bem, nós precisamos que ela venha fazer uma benzedura no Dr. X

BENZEDURA???

O Senhor me desculpe, mas aqui não tem ninguém que faz benzedura.

Mas, não é a casa da dona Maria?

Ufa!”

Bem, depois de muita conversa, ela meia a contragosto foi.

“ Bom dia, é o senhor que está com dor nos quarto?

Nos quarto? não, é quadris.

Ué e onde é isso?

Aqui.

Tá bom, então vou rezar.

“Mas a senhora não vai benzer?”

“Não, eu só rezo, é Jesus mais Nossa Senhora que consertam tudo. Eu só rezo, já disse”

“Verdade? Eu não acredito!”

“Ah! Não acredita? Então não vai sarar, porque tem precisão de acreditar.

Dai, nem vou rezar.”

Os companheiros se desesperaram, mas Maria estava irredutível.

“Por favor!”

“Não rezo, porque ele não acredita e daí nem vou perder tempo. ”

Foi embora.

A caravana partiu!

Claro com Dr. X., com muita dor.

 

Tai, gostei. Ela foi coerente em sua simplicidade. A história me fez lembrar quando na infância, eu ia semanalmente visitar Dona Joaquina, que além de me benzer, segundo minha mãe dizia, me deixava mais calma. Também me dava docinhos como a Maria rezadeira.

 

Como se fosse…

Tocou o despertador.

-Já ????!!!! Que droga!!!

Como se fosse pouco ter acordado no calor e segurança de seu quarto, num belo dia de sol, com saúde e diante de um novo dia nunca vivido, cheio de tantas possibilidades.

Bufando , desceu as escadas.

Como se fosse pouco ter pernas , corpo e coordenação perfeita.

Na mesa de café, irritou-se porque o café estava fraco e ainda mais quando percebeu que tinha esquecido a chave no andar de cima . Pensou em comer mais um paõzinho, mas desistiu.

Já estou gorda demais!

Como se fosse pouco ter uma mesa posta, café quente, pãozinho e um corpo são como o dela. No trabalho, diversas vezes xingou mentalmente o chefe, os colegas, o cliente, o relógio, que saco, ela não merecia aquilo!

Como se fosse pouco ter talento, inteligência, saúde, trabalho, um salário…

Resolveu almoçar no escritório mesmo, engoliu sua marmita na frente do computador já lamentando ter que preparar a marmita para o dia seguinte quando chegasse em casa.

Como se fosse pouco ter o que comer, aquela pausa, o sol que entrava pela vidraça , como se fosse tudo isso muito, muito pouco para ela.

No fim do dia ,já no carro, discutiu com o marido e desligou na cara dele. Será que ele não entendia que ela não tinha a menor paciência para aguentar a família dele ? e tinha outra coisa : ele andava insuportável, nunca mais a elogiava, não lhe fazia mais surpresas românticas, nem flores ele era capaz de trazer no aniversario!

Como se fosse pouco ter um companheiro que gostasse tanto dela , parceiro ponta firme, sempre a partilhar a vida com ela, na alegria e na tristeza.

Chegando em casa exausta , discutiu com a empregada pois o jantar ainda não estava pronto e reclamou com os filhos que ainda não tinham tomado banho e estavam na tv.

Quando o caçulinha disse que não havia feito a lição porque não entendeu, ela explodiu:

Só me faltava essaa !!!

Como se fosse pouco ter filhos sadios, um lar, tv, empregada. Sim, como se fosse pouco o privilegio de ser mãe daqueles meninos.

Nervosa, foi para o banho e deu um grito estressado.

Como se fosse pouco ver a agua quente e fria sair magicamente da torneira de seu banho privativo , correr pelo seu corpo, trazendo renovação.

Quando após o jantar finalmente sentou na tv, suspirou fundo e deu um soco silencioso na poltrona quando a empregada veio lhe avisar que sua mãe estava no telefone.

Aaahhhhhhh, bem agora !!!

Como se fosse pouco ter uma mãe querendo saber as novidades dela e das crianças e se ela melhorou da dor nos joelhos…

Na hora de dormir, tomou seu comprimido querendo apagar logo.

Como se fosse pouco poder estar viva aqui e agora.

Do outro lada da rua

“Odeio e amo. Talvez queiram saber o porquê. Desconheço, é assim que me sinto e isso dilacera-me.”

Ele estava parado na porta do restaurante deles. Com seus curtos cabelos loiros levemente molhados e bagunçados. Segurava um buquê de margaridas, flores com as quais ela não simpatizava tanto. Olhando de um lado para o outro. Às vezes, parando para checar seu celular. Começou a estalar seus dedos, como sempre fizera quando estava nervoso. Em seguida, encostou suas costas na parede de uma banca ao lado do restaurante e começou a mexer sua perna sem parar, hábito que, ela sempre odiou.

E ela ali, parada, do outro lado da rua, observando, imovél, seu coração adormecido à tanto tempo, de repente, despertara com sua imagem, que em um primeiro momento pareceu nunca ter mudado.

Um pequeno sorriso involuntário levantou suas leves rugas quando ela se lembrou de todas as vezes em que sentiu que tudo era perfeito ao lado dele; mas durou apenas um instante, meio segundo, meio segundo das lembranças boas, pois em seguida, todo resto veio à tona, as lembranças amargas, as quais ela preferia lembrar para que, de algum modo, se consolasse de que ele não valia toda aquela dor que parecia já ter se acomodado em seu peito. Ela preferia se agarrar às lembranças das inúmeras vezes em que ela gritara e rasgara as roupas dele por uma crise de ciúme. De todas as vezes que ficara checando seu celular repetitivamente a espera de uma mensagem sua. De como sofrera quando nāo sabia sua localizaçāo exata. Preferia lembrar de seus lábios como fonte de ofensas, das quais ela nunca se esquecera.

Finalmente, aquela expressāo de procupaçāo saiu de seu rosto e sua mordida nervosa no lábio transformara-se em um sorriso sincero e alegre. Ele a viu. Entregou o buquê se curvando e estendendo a māo. Ela riu de seu gesto dramático deu um rápido beijo em seus lábios e ficou admirando seus olhos marrom esverdeados que um dia ela conhecera tão bem.

Quando eles saíram daquele transe, abraçados andaram em direçāo à entrada do restaurante. Antes de passar pela porta, porém, talvez por acaso, por instinto ou destino, ele se virou rapidamente para trás. Por meia fraçāo de segundo os olhares deles encontraram-se, reconheceram-se, e mais uma vez, perderam-se.

Com as palavras nāo ditas entaladas na garganta dela, se perguntou se a história deles nāo teria um equívoco em seu último capítulo, se nāo devia lhe dizer algo, mas nāo, nāo fazia mais sentido, pois aquele olhar nāo lhe pertencia mais, o que apenas restara eram lembranças.

 

Autora: Bebel

Sem Título

Conhecendo…

Quando adolescente,  a menina conheceu o príncipe encantando! Foi numa festa, e foi lindo, maravilhoso. O garoto não tinha permissão para sair, seus pais eram muito severos, e ele,  não podia nem ir no cinema, ou shopping com ela.

Estava sempre de castigo, ou ia treinar futebol. Só se falavam pelo whatsapp, grandes papos.

O dia dos namorados estava próximo, ela sonhando “vou ganhar uma flor, ou uma poesia”. Que nada! Nem um whatsapp ele mandou. Durou pouco.

Coitada.

 

Ficando…

Algum tempo depois, na escola, conheceu um garoto muito maneiro que logo passou a ficar com ela. Ele era muito lindo. Como faria para ficar com uma só como ela gostaria? Foi levando. Ela apaixonada e ele cafajeste saindo com outras. O dia dos namorados chegando e ela sonhando e pensando na lembrancinha que ele lhe daria. Que nada! Foi jogar futebol senão teria que comprar vários presentes.

Coitada

 

Namorando…

No cursinho, a menina conheceu “o Cara”. Agora vai! vou ter um namorado. Para ele foi sopa no mel, pois sendo do interior e morando numa republica ia todos os dias filar boia na casa dela.

Passava os finais de semana  na casa da praia da família, ia aos restaurantes com eles.  Estava se saindo muito bem. O espertinho.

Ela felicíssima, pois este ano com certeza ganharia seu presente no dia dos namorados.

Para não perder a boca, o safado escreveu uma carta pra ela, com lindas palavras. Tinha mais ou menos umas 3 folhas de promessas apaixonadas.

Ela gostou! Até chorou.

Com as economias que tinha feito, às custas da safadeza,  comprou um presente lindo e caro para a namorada que tinha em sua cidade natal, lá no interior. E lá se foi  ele .

Coitada

 

Noivando…

Formada, e com um bom emprego, achou que tinha finalmente encontrado sua cara metade.  Agora vai! Brigavam e voltavam. Sempre as turras.

No dia dos namorados ela recebeu um grande buque de rosas vermelhas com uma caixa de bombom. Com lagrimas nos olhos abriu o envelope onde com poucas palavras lhe dava um sonoro pé na bunda.

Coitada

 

Casando…

Foi em grande estilo!

Daqueles que tem de tudo um pouco.

Seis paginas da revista Caras.

Um mês de férias na Itália, Grécia, Paris.

A aliança, maravilhosa toda de brilhante imensos!

Na volta um lindo apartamento a esperava todo cheio de flores. Passavam os fins de semana sempre viajando no barco! Na montanha! No SPA e …

O dia dos namorados chegando!

Ela sonhando com uma Mercedes Sport, conversível, daquelas de causar inveja a todos.

Tocam a campainha logo cedo no dia dos namorados.

Ela pensou! Chegou meu presente!!! Surpresa.

Era a policia.

Foi preso. Era estelionatário e ela novamente ficou sem o presente do dia dos namorados!

Coitada

Não Existe

Não existe pecado do lado de baixo do Equador.

Tenho certeza que o genial Chico Buarque de Holanda, jamais pensou, quando compôs essa música que muitos anos depois, alguém, pudesse usá-la como bordão.

Pois foi justamente o que aconteceu com seu Quirino,

Numa discussão sobre politica, economia, eleições, candidatos, quando os amigos estavam quase se engalfinhando, seu Quirino falou: “não existe pecado  etc…” todos pararam, se entreolharam, e começaram a rir.

E no futebol. “ foi pênalti, não foi, a bola entrou, não entrou, o juiz é ladrão” …

Lá vinha seu Quirino: “não existe pecado do lado de baixo do Equador”

E isso foi se repetindo indefinidamente em todas as situações. Seus amigos se encheram: “Quirino você é um chato”.

O dia que sua mulher encontrou o banco do passageiro afastado, quiz sabe: “Quirino como este banco esta afastado e como o cinto de segurança esta com perfume?” Quirino pensou um segundo, e veio com seu bordão “não existe pecado do lado de baixo do Equador” sua mulher ficou furiosa, quis socar o Quirino. Este imperturbável  repetia seu bordão. “chato, chato, chato, além de sem vergonha”.

O chefe ordenou. Vamos criar uma campanha para lançar nossa nova bateria. Dura mais é menor e rende mais. Quirino pensou, pensou e veio com “não existe melhor bateria do lado de baixo do Equador”.

Um dia o próprio Quirino se deu conta do seu bordão. Resolveu pegar um Mapa-Mundi, para saber que Países não estavam  do lado de baixo do Equador. Descobriu com uma certa alegria que nos Estados Unidos, no Canada, e na Europa… quem pecar tem que pagar. Estão todos acima do Equador.

Pensou: “ Que se dane, já têm  coisas demais, não precisam mais disso”

Não demorou muito para que os amigos, postassem no seu e-mail o seu bordão, no face, no instagran.

Todo mundo gozava o Quirino.

Foi ai que ele pensou, “preciso mudar o bordão”. Fins de ano os amigos sempre achavam um jeito de colocar seu bordão, foi ai que ele se encheu. “vou comprar uma passagem para o México,  e vou embora. La pelo menos estarei acima do Equador. “Ninguém vai poder me gozar”.

 

Nota do autor. Este é um conto de ficção. A única coisa verdadeira é o Quirino. Esse cara sou eu.

O Sonho

Marta e José estavam casados já algum tempo. Tinham uma situação financeira  estável.

 

Davam-se muito bem, eram jovens e alegres e acima de tudo amavam-se muito.

 

Foram vizinhos toda a vida. Amigos, até perceberem que estavam apaixonados. Casaram!

 

Quando souberam que não podiam ter filhos, não se aborreceram. Combinaram que iriam aproveitar a vida ao máximo, como um casal em lua de mel. E assim foi.

 

Divertiram-se muito.

 

Riram e aproveitaram o amor que tinham um pelo outro e pela vida.

 

Durante dois anos fizeram viagens de todos os tipos, esportes malucos, aventuras incríveis, passeios românticos até volta ao mundo num veleiro de um amigo.

 

Mas de repente o vazio. Mais um pouco de aventura.

 

Uma casinha no campo! Por pouco tempo funcionou mas… foram consultar outros médicos ! até para os Estados Unidos eles foram, de onde voltaram sem esperanças nenhuma de um dia serem pais.

 

Novamente a medicina provou que filhos eles não teriam.

 

Tudo bem! Disse ele, tiramos de letra. Vamos mudar para uma casa maior, onde poderemos receber os amigos, fazer jantares, churrascos, pizzas, festas etc… mas apesar de tudo perceberam que alguma coisa estava faltando em suas vidas: – um filho!

 

Decidiram. Vamos adotar. Já que não teremos mesmo, pois daqui a pouco estaremos velhos e aí vai ficar difícil. Não consultaram a família, nem os amigos, ninguém.

 

Fizeram todos os procedimentos e após a aprovação, foram para a fila.

 

Queriam um menino, mais tarde talvez uma menina.

 

Decidiram o nome, a escola para o moleque, o time para o qual ele torceria, até a roupa que o moleque iria usar.

 

Estava pronto no sonho. Fácil sonhar!

 

Mas … nem sempre o sonho é se transforma em realidade, e foi o que aconteceu.

 

Foram chamados para uma entrevista para conhecer o bebê. No caminho felizes, havia uma certa ansiedade. Aquele riso nervoso, os pés balançando.

 

Conversaram o tempo todo sobre o Junior, riram muito. Chegando ao hospital  para onde foram encaminhados, entraram paramentados na UTI Neo Natal e lá  viram 2 bebês, Meninas.

 

Pequenininhas, dentro de uma mini incubadeira com soro, e muitos outros fios ligados a elas.

 

Não quiseram olhar. Foram embora decepcionados.

 

Não conseguiram  dormir a noite toda. Tinha sido uma frustração muito grande. Não viam a hora de amanhecer. Para voltar ao hospital e ver as bebês. Por serem prematuras ,ficaram bastante tempo no hospital, tempo este que infelizmente seus pais vieram a falecer (Ah! Maldita droga).

 

No hospital  entraram. Ansiosos, suando, tremendo e preocupados

 

Na recepção outra decepção

 

Teriam que esperar pois havia um casal  muito interessado visitando as meninas. Mas como queriam um só, foram embora.

 

Após algum tempo entraram e ao fitar as bebês uma delas por um instante abriu os olhinhos, e aquilo  cativou o coração dos dois de tal forma, que não houve como não querer leva-las para casa!

 

Iam todo dia visita-las. Ficavam lá dentro o tempo todo. Quando ele não podia ela ia sozinha e ficava la falando com os bebes. Cantava baixinho para elas acariciava suas mãozinhas.

 

Ia embora querendo ficar.

 

A única coisa que lhes disseram no hospital é que a mãe comentou, queria  que uma se chamassem Maria Lucia e a outra Maria Luiza.

 

Eram tão iguais, que ninguém conseguia distingui-las, e para piorar já lá no hospital as duas eram conhecidas como “ as Malus”.

 

Após os tramites levaram as pequenas para casa. Era véspera de Natal.

 

A casa brilhava com as luzes! Embaixo da arvore muitos presentes para as bebes.

 

Puseram as meninas nos seus bercinhos, no lindo quarto, e desceram para brindar.

 

Jamais houve na vida de Maria e José uma noite de Natal tão linda!

 

Não convidaram ninguém, queriam curtir as suas filhinhas nessa noite tão especial.

 

Jamais esqueceram.

Registram as meninas como:

 

Maria Lucia de Jesus…

e

Maria Luiza de Jesus…

 

Somente a mãe, conseguia distinguir uma da outra.

 

A vida vazia se transformou numa festa constante.

 

Diziam a todos que tinham em casa DOIS anjos, que chegaram na noite de natal!!!

 

As suas Malus.

Os 7 pecados capitais

1- Inveja. Eu sei que é feio falar mas eu tenho inveja do meu vizinho. Aquele mulherão que ele tem, linda, sexy, charmosa, não é para qualquer um.

Fico imaginando como um baixinho, meio gordo, e quase careca, pode ter uma mulher daquela? Não há dúvida, eu tenho inveja dele!

2- Orgulho. Quando encontro o baixinho no elevador, ele me olha com o nariz empinado, me ignora, as vezes me mede da cabeça aos pés, só porque tem uma mulher daquela, se acha superior? Bom se eu estivesse no lugar dele pensaria igual ou seria ainda mais orgulhoso!

3- Avareza. Eu sou um pão duro assumido. Se não fosse pão duro não estaria andando de Corolla 2011, com 80.000 km. Compraria uma BMW esporte, conversível. Quem sabe quando eu cruzasse com a vizinha na garage, ela começasse a me achar interessante, mas eu reconheço, não tenho coragem de gastar essa grana. Nem por ela.

4- Gula. Outro dia encontrei o casal de vizinhos numa lanchonete perto de casa, eles estavam comendo um prato que eu não consegui distinguir, só vi que de vez enquando ele dava um pedaço na boquinha dela e ela comia e sorria. Depois comeram Tiramissu com duas colheres. Fiquei aguado pedi para o garçom trazer igual para mim.

5- Preguiça. Todo dia de manhã bem cedo, eu vejo pela minha janela, a minha vizinha sair para correr no Parque. Toda paramentada com aquele abrigo justinho, tênis, e uma vizeira branca. Ai eu penso: se eu não fosse tão preguiçoso , poderia tirar o pijama e ir correr também, quem sabe poderia rolar um papo. Mas a preguiça é mais forte. Volto para a cama para dormir mais um pouco.

6- Ira. E não é que a “amiga” dela que mora no 3º andar veio me falar que a nossa vizinha não era tudo aquilo que parecia, silicone, botox e até nadegas postiças… fiquei irado. Mentirosa, mau caráter, invejosa.

7- Luxuria. Outra noite minha vizinha foi numa festa, estava com um vestido longo preto, sapato alto e cinto dourado. O cabelão feito trancinha e nas costas um casaco com gola de vison.

Isto sim é que é luxuria, pensei. Vou no Google, saber o que é luxuria. Descubro que não é bem assim. Tanto faz, para mim luxuria é minha vizinha indo para a festa. E pronto.

Nota do autor: quero esclarecer, principalmente a minha mulher que este é um conto de ficção. Todas as pessoas e situações, são frutos da minha imaginação.

 

 

 

A Horta

Nome:  Fernando – Profissão Advogado

Nome:  Marianna – Profissão Advogada

Estudaram juntos e durante o curso se casaram. Estagiaram e logo abriram seu próprio escritório.

Tendo ido muito bem. Resolveram que teriam uma família grande.

Para tanto, e pensando no futuro, compraram logo uma casa bem grande. Com jardim, piscina, salão etc…

Agora, já paga a casa, vamos aos filhos.

A primeira foi Luiza. Na segunda gravidez gêmeos, 2 meninos e logo após os gêmeos completarem um ano, nova gravidez, mais dois gêmeos. (4 homens?) ah pensou Marianna, preciso de 1 menina. Adotaram e assim ficaram com 6 filhos. Como queriam.

Cresceram estudaram e se casaram!

E agora? “O que vamos fazer com esta casa imensa? Vamos vendê-la”

Ficaram esperando compradores. Nada ! Não aparecia viva alma.

Pensavam na vida gostosa que poderiam levar na fazenda, mas, a casa não era nem visitada. Corretores vinham, mas compradores nada!

Mariana regava o jardim, quando apareceram; um senhor bem arrumado e junto com um outro senhor bem mal arrumado, com botas velhas e barba para fazer. Disseram – “Boa Tarde”

O senhor bem arrumado, seu Matias, apresentou-se como corretor e indicou seu companheiro seu João como um possível comprador.

Primeiro ela ficou desconfiada. Mas como Sr Matias já havia estado lá, deixou-os entrar. “Este senhor não comprará minha casa jamais” pensou ela.

Entraram, seu João olhou tudo, não disse uma palavra. Agradeceram e foram embora.

Segunda visita. Seu João novamente com o corretor , entraram, perguntaram alguma coisa, agradeceram e foram embora.

Terceira visita, seu João aparece com a sua mulher, D. Maria das Dores, ambos percebeu Marianna, eram portugueses. D. Maria das Dores estava bem sem jeito, tímida. Olhou detalhes e detalhes e disse ao marido “mas, João para que preciso de uma cozinha tão grande?”

Sempre que vinham entregar verduras no bairro, D Maria das Dores, se encantava com a casa. Dizia ao marido; – que coisa mais linda essa casa, parava para ver o jardim e ficava olhando para as janelas que achava maravilhosas. Um sonho!

No dia seguinte, vem o seu  João com o corretor.

Quero comprar sua casa!

Veio Fernando, conversaram sobre o preço: “Quero pagar à vista. Em dinheiro”

Fernando ficou desconfiado.

De onde viria esse dinheiro?

Bem, o Seu  João não satisfeito com a oferta, perguntou quanto queriam para deixar a casa como estava com móveis etc. Só que sua mulher não queria os quadros. (ufa!) não gostou muito.

Os quadros da coleção comprada durante toda a vida por Marianna, não ficariam.

Mariana Adorou.

Bem! E o dinheiro de onde veio?

Seu João, chegando de Portugal, logo se transformou em um verdureiro. Trabalhava duro e juntando dinheiro com sacrifício, comprou um terreno, num lugar bem isolado. Lá construiu sua chácara.

A  cidade chegou até lá, e sua chácara valorizou, valorizou: apareciam sempre pessoas querendo comprar a chácara. Principalmente as grandes construtoras. E ele teimoso não queria vender. Até que chegou uma oferta impossível de ser rejeitada. Só aceitou fazer negocio se recebesse em dinheiro. Não teve advogado que o fizesse mudar de ideia. Muito bem, ele pensou “ vou comprar a casa para minha mulher”. E comprou.

Mudaram-se. Aterraram a piscina, que era bem grande e lá plantaram uma horta. Seu João continuou a vender verduras para os vizinhos e D Maria das Dores vivia o seu lindo sonho!

Não saia da cozinha!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Curupira

Uma grande Multinacional, resolveu adquirir uma grande gleba de terra constituída principalmente de floresta pegando inclusive, parte de uma reserva indígena. Seu objetivo era explorar minérios existentes nesta área.

 

Quando os indígenas ficaram sabendo, imediatamente o Cacique convocou uma reunião do conselho: ele, o Pajé e todos os anciões da tribo.

 

Constatado o problema, o Pajé sugeriu, que apelasse para as forças espirituais, que sempre protegeram os indígenas. Fizeram uma oração para o Curupira, defensor das florestas e também à Cobra Boitatá, também protetora das florestas.

 

O Curupira tem corpo de menino, cabelos vermelhos, e os pés ao contrário, para confundir os inimigos.

 

A Cobra Boitatá, solta fogo pela boca, e come os olhos de quem tentar destruir a floresta.

 

O Pajé então preparou uma beberagem, com ingredientes secretos, que ele aprendeu com antepassados.

 

Todos do conselho tomaram. Logo sentiram o corpo todo rodas, e eis que aparece o Curupira. A todos ele falou “podem ficar tranquilos, vou cuidar de tudo. Vou chamar a Cobra Boitatá para ajudar”.

 

A Multinacional mandou dois engenheiros para levantar a área. Os engenheiros se perderam na mata, e ninguém nunca mais soube deles. Chamaram então outro engenheiro, que se recusou ir pra lá, pelo que tinha que tinha acontecido com os seus colegas.

 

Um jornalista ficou sabendo da pretensão da Multi de comprar a área e expulsar os índios.

 

Depois de dois dias caminhando pela selva, chegou a reserva indígena.

 

Tirou fotos, colheu testemunhos, e voltou para a cidade.

 

Publicou numa revista semanal a história toda, que uma Multi queria desalojar os índios, etc, etc.

 

A repercussão foi grande. Logo as redes sociais começaram a se movimentar, e uma grande manifestação foi feita, na porta dos escritórios da Multi. As centrais sindicais cederam seus carros de som.

 

Depois de tamanha repercussão a Multi, desistiu de comprar  a área.

 

Quando os índios souberam, fizaram uma grande festa, com danças, comilanças e uma fogueira enorme para homenagear o Curupira e a Cobra Boitatá. Neste instante quem apareceu? Os dois engenheiros que estavam perdidos.

 

 

 

 

 

 

 

 

Desencontros e Encontros

Moravam na mesma rua.

Luisa no 2634 Luis no número 23.

Frequentavam o mesmo clube.

Ela, à tarde, fazia balé e natação.

Ele, de manhã, lá pelas 10h30 ia jogar futebol  pois não gostava de levantar cedo.

Frequentavam a mesma escola

Ela de manhã e ele à tarde.

Estudaram medicina. Cada um em uma faculdade. Ele em Campinas, ela na USP.

Ela depois de uma brilhante tese de doutorado  foi para Paris para a especialização! La conheceu Jean Luc , que também era medico e se casou. Ele convenceu Luisa a ir conhecer o grupo “médicos sem fronteira”. Se encantaram e lá ficaram,  por algum tempo.

Voltando à Paris, logo depois ele sofreu um acidente e morreu.

Luis dedicadíssimo à profissão jamais se casou. Só pensava em trabalhar.

Por insistência de amigos, resolveu tirar férias e lá se foi para a Europa passar uns dias.

Luisa cansada de morar só e com saudades de sua família e amigos, se preparou para voltar.

Malas, passaporte etc…etc… Aeroporto rumo ao Brasil, com escala em Lisboa.

Sentada na janela, nem viu quem  havia se sentado à  seu lado. Leu, jantou e dormiu.

Ele também.

Chegada a São Paulo. Nada de Duty free.

Saíram rápido. Será que alguém esta me esperando? Pensaram os dois, naquele portão de saída.

Ela enxergou sua mãe, agora já com cabelos brancos, conversando com uma outra   senhorinha também de cabelos brancos.

Os dois disseram juntos:  – MÃE!

Elas foram vizinhas e amigas a vida inteira, estavam conversando.

Ele olhou para Luisa e ela olhou para Luis, ambos sorriram.

Foi amor à primeira vista!

Língua de Gato

Eu nasci no dia de natal. É maravilhoso nascer nesse dia.Todas as pessoas esquecem seus problemas e se confraternizam. Velhas rusgas familiares, são esquecidas. Nenhum amigo esquece seu aniversário, e sempre ligam.

 

Só tem um problema, quem nasce no dia de natal só ganha um presente.

 

Eu desce pequeno reclamava com a minha mãe, mas ela com a diplomacia que só as mães sabem usar dizia “no seu presente eu capricho mais”.

 

Teve um ano porém que além do presente de natal, ganhei um presente de aniversário: uma caixa de chocolate língua de gato.

 

Para se ter ideia do valor deste presente, é preciso lembrar que não existia naquela época a quantidade enorme de chocolates, que existe hoje, nacionais e importados.

 

Fiquei deslumbrado com as línguas de gato. A primeira coisa que fiz foi arranjar um esconderijo, para que os meus irmãos não descobrissem.

 

Toda noite eu pegava uma língua de gato e saboreava bem devagar.

 

Um dia minha irmã me flagrou comendo o chocolate: “que você está comendo” e eu com os dentes lambuzados respondi sorrindo “nada é remédio”

 

Um dia dois amigos de minha irmã vieram fazer uma visita para ela. Como não havia nada para oferecer, além de um café, minha mãe ordenou: “vai buscar a língua de gato”.

 

Naquela época não se discutia. Ordem, era para ser cumprida e pronto.

 

Dei a caixa para a minha mãe, que ofereceu para as visitas.

Para o meu desespero, eles foram comendo uma a uma, até a caixa ficar vazia.

 

Outro dia contei essa historia para a minha filha mais velha. Ela ficou emocionada. A noite me deu de presente, uma caixa de língua de gato.

 

Abri o presente, comi uma e dei outra para a minha mulher. Guardei a caixa em meu armário.

 

No dia seguinte a noite fui até a caixa de chocolate, e ela estava vazia. Meus netos tinham estado a tarde na minha casa, descobriram a caixa, e comeram tudo.

 

Foi ai que eu pensei “não dou sorte com língua de gato”

Matemática Pessoal

Meu primeiro contato com os números foi aos cinco anos, por aí.

 

Me ensinaram que eles serviam para representar a quantidade das coisas, tipo dois patinhos é igual ao número “2”.

 

No decorrer do tempo, tornei-me íntima dos numerais e comecei a imagina-los como uma pequena família.

 

E como toda família, cada um tem a sua própria personalidade.

 

O 1, por exemplo, é um menino traquinas, com o joelho sempre ralado.

 

Eu uso o verbo no presente pois ainda os sinto assim, personagens vivos.

 

O 5, é quem põe fogo no 1, que acaba sempre apanhando, coitado.

 

O 8 é um menino boa praça, adora contar piadas e tem risada mais gostosa do mundo.

 

Das meninas a 2 é a mais vaidosa, sempre cuidando dos seus cachinhos.

 

Já a 7 é a malvada, vive espionando e batendo nos irmãos.

 

A 6 é namoradeira, terrível! Pula a janela para ir à festas, deixando as irmãs em polvorosa quando tem que encobrir suas escapadas. Além disso é linda e esperta, amiga de toda malandragem da redondeza.

 

A 3 e a 4 são inseparáveis tem um mundo só delas, até uma língua inventaram para se comunicar.

 

Finalmente a 9! Ela é doce e solidária é a mãezona deles e adorada por todos.

 

Mas o tempo passou.

 

Essa família de numerais começou a mudar.

 

Ficaram de repente cheios de sinais, +, -, x, de virgulas, fracionados, entre parênteses, colchetes, positivos, negativos, atrás de zeros!

 

Eu não conseguia mais entende-los, e eles nem aí. Me olhavam sérios, ocupados em resolver complicados problemas.

 

Depois de um tempo me conformando, cheguei à conclusão: eles haviam crescido.

 

Não eram mais meus, eram do mundo, dos problemas, das equações!

 

Outro dia, os vi, em um caderno qualquer. Eles pareciam felizes, marchando todos amontoados, cheio daqueles sinais estranhos.

 

Mas vi algo que me preocupou.

 

As meninas, a 2, 3, 4, 7 e até a 9 estavam andando grudadinhas com os “x”, os bad-boys da redondeza.

 

Isso só pode ser coisas da 6!

 

Sabia que ela não é uma boa influência!

 

SÃO JOÃO MARCOS

Existiu igreja  mais linda que  a de São João Marcos?  Difícil dizer. Como uma obra prima  da arquitetura religiosa foi demolida? Mas uma igreja não é constituída  apenas de paredes, tem a história de tudo o que  se passou dentro dela. Isto permanece intacto.

Com essa constatação surgiu a ideia de pesquisar qual deve ter sido o primeiro casamento ali realizado, pois como todas as  outras, a igreja teve a sua sacristia, e nela, os livros  dos assentamentos-(casamentos, batismo, primeira comunhão, etc).

Minha primeira missão  seria encontrar  esses livros. Não foi fácil. Quem me deu uma pista de onde encontrá-los foi seu Geraldo antigo sacristão, que apesar da idade avançada sabia onde eles estavam. Daí até os livros foi um pulinho. Dona Mafalda tinha recebido da mãe  a incumbência de guardá-los como se  fossem um tesouro, e eram mesmo um tesouro.

Foi ai que fiquei sabendo que o primeiro casamento lá realizado  foi de Jose Anjo, com Maria Celeste, ele trabalhador do campo, com 25 anos, e ela de prendas domésticas, com 16 anos. Ambos trabalhavam para o  barão, dono das terras, ele no campo e ela como mucama da baronesa Maria Estela.

Dizem que Zé  Anjo nem bonito era. Forte como um touro, tinha sempre um sorriso nos lábios, o que encantou Maria Celeste.

Os registros não falam de padrinhos, mas com certeza foram o Barão e a Baronesa.

Aí eu pensei: “será que tiveram filhos? Lembrei-me que naquela época, como não existiam Registros Civis, tudo era registrado na Igreja. Procurei  por anotações, e nada. Somente após um ano e meio, nascia Bebel, a primeira filha do casal, Zé Anjo e Maria Celeste.

Por coincidência, nasceu no mesmo dia Valentina de Lourdes Monteiro Camargo Coutinho, filha mais nova do Barão.

Quis o destino que essas duas meninas, habitando a mesma casa, se tornassem desde pequenas, grandes amigas. Compartilhavam as brincadeiras. Adoravam catar pedrinhas e jogar no lago, vendo qual das duas fazia a onda maior. Estavam sempre juntas!

Quando o Barão contratou uma professora para alfabetizar Valentina, ela só consentiu em ter aulas, se a sua amiguinha tivesse também. Quando  uma não estava com vontade de fazer  a lição, a outra fazia, se esforçando para  que a caligrafia ficasse parecida. Quando a professora  ficava desconfiada, elas riam muito, sem parar. Era o segredo entre elas.

Foram batizadas em dias diferentes, mas ambas pelo Frei Gildo, que era o  pároco da Igreja.

Já crismadas, foram no mesmo dia, quando o Bispo Don Eduardo Luiz Rafael, que  se dizia discípulo de André, visitou a comunidade, em visita episcopal.

Nos dias de festa no local, elas aproveitavam  para dançar , cantar, e se divertir muito, com risadas e brincadeiras a toda hora.

Na procissão de Corpus Cristi lá estavam elas segurando uma vela acesa  protegidas por uma lanterna de papel.

O tempo foi passando, e elas sempre super amigas, até chegar a hora de cursar o secundário. Valentina foi para o Rio de Janeiro, morar na casa  da tia Tatiana, irmã do Barão, tia Avó do Gabriel, para cursar o colegial no Santa Inês.

Já Bebel ficou em São João Marcos  para cursar a Escola Normal da professora Dona Silvia.

Continuaram se correspondendo pelo menos por uma carta, todo mês.

Formaram-se.

Valentina entrou para a faculdade de direito do Rio de Janeiro, onde depois  de um brilhante curso,  formou-se advogada, tendo uma carreira igualmente brilhante.

Bebel formou-se no normal e foi  dar aulas na escolinha  da Dona Nina,  na turma dos pequenos, pois tinha muito  jeito com crianças.

As vezes Valentina vinha à fazenda visitar seus pais. Encontravam-se  sempre,  lembravam dos velhos tempos, voltavam  a ser crianças.

Discutiam sempre qual das duas fazia a onda maior no lago, quando jogavam pedras… e riam, riam, riam.

Ai eu me lembrei. Que fim levou o Frei Gildo, pároco da Igreja quando ela foi demolida?

Vou à Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro pesquisar. Fiquei sabendo que depois de um ano sabático, em que o Frei Gildo largou tudo, pegou seu vilão e viajou pelo Brasil todo, tocando e cantando músicas do nosso cancioneiro. Depois foi transferido para uma pequena paróquia em Cachoeira do Arari na ilha de Marajó, no Parà. Lá ampliou a Paróquia e criou um centro de assistência para crianças carentes, conseguiu o apoio da ONG “Irmãos” coordenada pela Simone e suas amigas.

Seu trabalho recebeu uma mensão honrosa da UNESCO.

Nota do Autor.

Este é um conto de ficção.

A única coisa real, foi a demolição da Igreja de São João Marcos.

Em 1940 o então presidente Getúlio Vargas, decretou a demolição da cidadezinha Fluminense de São João Marcos, inclusive da Igreja, para a construção da represa da usina hidroelétrica da LIGHT. Depois de algum tempo, foi criado o Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos.

Hoje um grupo de idealistas está executando um trabalho muito bonito visando resgatar a história da cidade, suas festas, costumes, tradições.

Convido o leitor a entrar no Google: “Parque de São João Marcos”

 

A escolha dos nomes de todos os personagens do conto, foi uma homenagem do autor aos colaboradores do Blog.

 

 

MILAGREIRA

A curiosidade que me inquietava vinha de uma palavra: – milagreira.

Quem despertou em mim essa fissura foi uma senhora que fazia faxina na casa de uma vizinha.

Ela se dizia milagreira!

De tanta curiosidade acabei indo conhecer a cidade  de D. Nenê a tal milagreira, pois queria conhecer sua estória.

Chegando lá, a surpresa, a cidade de D. Nenê a milagreira chamava-se Milagres! Na vila pequena e singela todos eram milagreiros.

Milagres, tinha uma praça e algumas ruas. Sua vida, nada cosmopolita ou glamourosa, acontecia  ali mesmo na praça. Lá uns bancos para sentar-se e ver a vida passar e umas pequenas mesas feitas prá se jogar dama, onde no final da tarde jogava-se altos torneios de truco. Suas árvores eram frondosas e naquele dia os canteiros estavam multicoloridos e perfumados, com pequenas flores da primavera.

Na praça, o principal monumento e orgulho da população: – A Igreja de Nossa Senhora dos Milagres. Branquinha com detalhes em azul, toda bem cuidada, ela dominava a praça.

Ali ao lado a farmácia, aberta e sem ninguém. Perguntei a alguém que me explicou que se eu tivesse precisão era só tocar  a campainha que seu Gerônimo vinha atender. Ficava em casa lendo.  Que lugar intrigante Milagres.

Um açougue, algumas lojinhas. Uma portinha onde se lia: – barbeiro – home e muié. Mais algumas lojinhas e outra cuja placa que dizia, Magazine de luxo: – roupa de batismo, casamento, primeira comunhão e enterro! Enfim para todas as ocasiões e todos da família.

Rivalizando em importância havia na praça a venda da Dona Cidinha e seu Nestor, os mais ricos do povoado, não da região, pois o povo da vila trabalhava nas fazendas da redondeza onde lá sim moravam os ricos.

Entusiasmados diziam: “Oia dona nois aqui no estabelecimento, nois tem de um  tudo! Cereais para gente e bicho”

Bicho?

“É mio verde para gente e mio para porco -cavalo – galinha etc…

Nois tem arguma lata de sardinha, mas o povo aprefere o peixe pescado no rio.

Nois tem argum materiar de construção, areia, cemento, barde, pincer pros pintor e nois tem muntas cor de tinta.

Sabe dona nois vende pão e todos daqui compra nosso pão. Somo nois mesmo que faiz.”

Perguntei, e o povo paga direitinho?

“ Sabe dona, aqui nois tem cardeneta.”

“Eu, não tenho estudo, mais nosso fio Ronaldo Robinho ele fais as conta tudo direitinho, porque ele tem estudo, mas nois não tem pobrema porque o povo milagreiro paga direito tudinho no fim do meis, quando os fazendeiro paga eles”

E o combustível, perguntei?

“ O posto de gasolina fica na rodovia e quando nois precisa o seu Geronimo da farmácia busca, mas nois quasi num precisa mó de que tudo nois, usa mesmo é a bicicreta”.

Bem, me parece que a Senhora já está cansada de tanta pergunta.

Só mais uma pergunta D. Cida.

“Cida não, é só Cidinha que está nos ducumento”

E a escola? Os estudos? “Bom moça, tem a dona Conceição que é bem veia e foi prefessora na cidade grande. Ela é milagreira também e foi ela que ensinou nois tudo a lê e assinar o nome e também ensina os mininu. Mas quando eles tem que i pro grupo a pirua de Paixão vem buscar.”

É mesmo? Que legal. E como o povo de lá se chama?

“ Ah dona craro né, eles se chama paixonados”.

Fui até Paixão! Sua capela branca e azul, na praça da cidade era dedicada a Nossa Senhora da Paixão.

Que douçura, um povo tão puro e simples!

Ninguém faz milagres e não são apaixonados, mas honestos, direitos, gente simples e muito, muito mais felizes que eu, metropolitana, esnobe, insatisfeita e consumista.

Ah! Como gostaria de ser uma milagreira apoixonada!

O MUNDO É REALMENTE PEQUENO!

            Estava eu na fila do check-in. Aeroporto lotado, como sempre, nessa época de férias.

         Entediada, comecei a prestar atenção num casal que chegava com suas bagagens de grife e tentava discretamente furar a fila.

Foi ai que lembrei da minha sogra. Ai, ai, ai, ela não iria deixar passar.

“Olha aqui. Na minha frente não.

Estão vendo aquela gorda? O fim da fila é lá”.

O casal se fez de migué!

Não satisfeita eu comecei a instigar os outros passageiros: “vamos lá gente! Esse povo granfino arruinado se acha!” e continuei: “já que a senhora se dá ares de rainha e pensa que é melhor que nós, por que não viaja de executiva?”.

Foi ai que minha vizinha de fila se envolveu também: “é isso ai. Acha que só porque tem dinheiro pode se jogar assim na frente dos outros”.

O casal então se virou na minha direção e foi então que eu percebi que aquele não era um casal de estranhos. Reconheci pela voz dele. Virgulino meu primeiro amor. Meu coração disparou! Era ele! Meu Deus! Sempre fui apaixonada pelo Lino,com aquele seu sotaque nordestino sexy. Mais sexy ainda era seu bigode fininho.

Foi ai que ouvi a mulher do casal falar para o marido: “essa loirinha oxigenada está olhando prá você”.Não esperou a resposta do marido, não se conteve e olhando para mim falou “Rampeira”.

Ah! Não me segurei  sai prá cima dela. Rolou logo aquele “deixa disso”. Rampeira! Ora o que? Lino ali olhando e eu lembrando…

Lembrei da sua pegada, a fama de pegador… como ele foi casar com essa perua? Por um instante, quando ela me olhou percebi que conhecia aquele olhar, não sei de onde… mas de onde meu Deus?

Ah! Lembrei! Não é possível. Era  ela! Ela!  Minha inimiga dos tempos de balada.

Ela ficava sempre com meus paqueras e algumas vezes a gente chegou a se desentender.

Bem que eu imaginava mesmo que gente boa ela não era. Lembro dela sempre fazendo charme para os seguranças só prá não pagar o ingresso.

Mas isso não explica como o Lino, o meu Lino, acabou com ela. Logo ele que sempre foi tranquilo, ficar com essa bisca.

Eu  resolvi me aproximar. Lino me reconheceu na hora. Ela também, e me lançou um olhar de triunfo, como que dizendo: “o Virgulino é só meu agora! Dançou Nêga”!

Não pude suportar, num impulso, tasquei um beijo na boca do Lino. Meu marido não viu.

Ela começou a  berrar. Todos na fila mandavam ela calar a boca e voltar para o fim da fila, atrás da gorda. “ folgada, gritalhona”. Foi ai que eu rematei: “quer saber? Essas suas malas de grife são frias.  25 de Março, sem dúvida. E esses seus peitões? Cresceram de repente? Silicone, silicone. Há, há, há.

Foi nesse instante que a moça do balcão avisou: “ esse vôo foi cancelado por falta de aeronave”.

Foi um alvoroço total. Todo mundo gritando e protestando com a comissária. Um tumulto geral. Nessa confusão o Lino passou num papelzinho seu telefone, e fez um sinal “ me liga “.

O BACALHAU

         Era um cara fanático por bacalhau. Em qualquer restaurante que ele fosse, pedia bacalhau, não importava se japonês ou tailandês, ele pedia bacalhau. Caso não fosse atendido, xingava, gritava, tudo em altos brados, levantava e ia embora.

         Um dia conheceu uma mulher bem magrinha. Quando alguém comentou que ela era magra como um bacalhau, ele se apaixonou na hora.

De repente, do nada, ele largou a mulher. Todos queriam saber o porquê? Ele dava a desculpa típica: “Preciso me encontrar”.

Foi flagrado numa manhã na praia com uma outra, andando de mãos dadas. A dita cuja era muito feia, “um dragão”, como diziam os amigos. Mas ele não se importava. Apaixonou-se no momento em que sentiu seu bafo de bacalhau.

À noite sem que ela percebesse, jogava nela bastante sal. Afinal bacalhau sem sal, não é bacalhau.

Na hora de dormir ele escondia as escovas de dentes. Não queira quebrar aquele bafinho, com cheiro de hortelã.

As coisas foram se complicando, quando ele descobriu que ela só comia file mignon. Pensava “da onde deve vir o cheirinho de bacalhau?”.

No começo ele dava tudo o que ela pedia: jóias, viagens, roupas, sapatos caríssimos. Comprava o que não podia. Afinal era tarado por seu cheirinho, ela merecia!

Porém um dia, ele descobriu a traição: ela estava vendo um dentista. Toda semana. Ele se sentiu traído, ao descobrir que ela não estava tendo um caso com o dentista, e sim tratando a gengivite.

O mundo dele caiu. “dei tudo para essa enganadora e ela me traiu com a limpeza nas gengivas”.

O hálito de bacalhau tinha se transformado no cheirinho de sardinha, e ele detestava sardinha.

Separou-se.

Toda tarde ele ia ao mercadão e ficava vendo aqueles bacalhaus expostos, uns mais grossos, outros mais finos. Era como se estivesse vendo uma miragem.

Resolveu pedir ajuda. Daquele jeito não poderia ficar. Procurou um psiquiatra, contou seu problema.

Por sugestão dele comprou latas e latas de sardinha (logo sardinhas) de todas as marcas e procedências. Abrir as latas e ficava cheirando. Resultado zero. Foi aí que ele pensou “será que o psiquiatra é fanático por sardinhas?”

Ele voltou lá. O método de nada tinha adiantado, pior, havia desembolsado mil reais por uma consulta. Ficou com muita raiva daquele psiquiatra gordo e barbudo.

Entrou no consultório e pediu o dinheiro de volta! Foi aí que o gordo propôs: “vou te hipnotizar, isso pode te curar. Vamos tentar”. E então, quando ele estava no divã com os olhos bem fechados, sentiu o médico se aproximando e dizendo “você está relaxando… está com sono… logo ele dormiu. Sentiu o cheiro de bacalhau misturado com sardinha que vinha da figura do doutor, que diga-se de passagem não era muito chegado a um banho.

Ao abrir os olhos, viu na sua frente aquele homem gordo, barbudo, asqueroso, fedendo à bacalhau com sardinha.

Hoje não pode nem olhar bacalhau que se lembra do doutor.

Enfim está curado.

Cores da Vida

Era uma vez um lugar preto e branco não muito longe daqui. Era um lugar muito pequeno, muito pequeno mesmo, bom é o que diziam por ai.

 

Esse lugar não era como qualquer outro pelo fato dele ser preto e branco. Lá a padaria ao invés de ser laranja era branca com manchas pretas, a farmácia era cinza, a escola era branca e as arvores eram pretas. Me contaram que lá as pessoas eram doces, gentis e educadas porem vazias com algo faltando não sabiam exatamente o que, ou quem…

 

Em um dia normal como qualquer outro meio vazio e cinzento um cara diferente apareceu na Praça principal da Cidade. Era um senhor não muito velho que usava um suéter azul escuro, uma calça com suspensório e uma mala grande…ops cores … Todos olhavam para ele como se ele fosse alguém de outro planeta. Ele não ligava, dizia bom dia e dava um grande sorriso.

 

— Quem é você, e o que veio fazer aqui – perguntou uma menininha docemente.

 

— Meu nome é Gedoral e eu vim aqui para aprender e ensinar o que eu sei. Eu sempre estou a procura de coisa novas e diferentes, também ensinar pois acredito que o conhecimento tem de ser de todos.

 

— Moço você é muito esperto. – ela disse impressionada – prazer meu nome é Bebella. Minha Mãe fez bolo, vem comer lá em casa.

 

— Então vamos lá. – ele disse animado pois estou morrendo de fome.

 

A caminho da casa da mocinha ela parou e perguntou:

 

­– O que você sabe sobre a vida afinal?

 

— Bom, se quiser eu posso te mostrar.  Nessa mala tem tudo que sei e ainda espero aprender muito mais.

 

— Me mostre! Me mostre! – disse ela animada

 

Assim que ele abriu a mala um liquido colorido começou a sair de sua mala e a Vila ficou mais leve, mais cheia de luz e sem ninguém querer e nem perceber aquele vazio foi preenchido e as pessoas começaram a sorrir, a abraçar mais e serem mais felizes. Aquelas cores não eram apenas cores mas também toda a riqueza, luz e sabedoria que aquele senhor não muito velho carregava.

O Homem da Mala é meu Avô

Bebel

 

DOMINGO NO PARQUE

 

            É muito chato ficar com meu pai. Normalmente ele fica lendo jornal, me ignorando.

Um domingo, por milagre, ele me levou no parque. Sentou no banco, abriu o jornal e me mandou brincar.

Sentei no balanço. Olhando em volta, vi um homem bigodudo com três meninas pequenas como eu.

O homem estava falando alguma coisa e elas riam dele. Depois, ele fez tipo um “carrinho” com uma toalha e puxava elas pela grama.

Olhei para o meu pai escondido atrás do jornal.

Depois o homem de bigode, comprou um monte de porcaria para as meninas: sorvete, algodão doce e suquinho.

Sentaram na sombra. Veio um cachorro e ele falou “passa lulu” ! achei engraçado.

As menininhas então subiram na árvore com ajuda do homem de bigode. Olhei meu pai. Estava lendo um jornal dobrado agora.

Eles estavam indo embora. O homem de bigode ainda por cima comprou uma bola para cada uma. Daquelas grandonas! Coloridas!

Olhei papai com o jornal aberto. Fiquei muito brava, ele não fazia nada de legal comigo.

Correndo fui até ele, tirei o jornal da mão dele e disse, batendo o pé:

_ Quero que você tenha um bigode agora! Entendeu agora!

 

 

Esta é uma homenagem ao homem bigodudo que é meu Pai.

Um conto de Natal

As amigas diziam que era uma grande bobagem, afinal, passar uma noite de Natal com a família não deveria ser motivo de preocupação. Que nada. Quando começava a se aproximar o final do ano, ela já começava a se perguntar: quanto tempo ainda tenho para arranjar um namorado?

Não era por carência, a vida dela, ainda que algumas vezes solitária, era até que bem feliz. Não é que ela nunca tivesse ninguém. Homens interessantes e interessados apareciam, alguns namoricos engatavam, o problema é que nunca se firmavam. Alguns até duravam meses, mas nunca chegavam até as festas de fim de ano – período crítico para as pessoas que estão sós.

No Natal era quando a sua família se reunia, todos felizes – ou aparentemente felizes – por se reencontrarem. Era a noite de saber das novidades do ano que se passou. As primas eram todas casadas, e a cada ano, um novo bebê era apresentado. Que fofo, não é a cara do pai? Todas tinham muitos filhos. E todas tinham seus maridos – pelo menos até então – enquanto ela nunca chegou a apresentar um namorado. Até a sobrinha, que ainda ontem era uma criança, no último Natal chegou acompanhada,  e pelo que a mãe dela falava, o namoro seguia firme.

As tias, sem perceber o constrangimento que a pergunta trazia, já chegavam com um sorriso. “Linda, e os namorados?” Nesse momento, um misto de embaraço, tristeza e sentimento de incompetência a dominava. Lamentar publicamente a situação, nem pensar. O jeito era sorrir e disfarçar.

Nesse ano, ela já havia se preparado para enfrentar novamente aquele ritual. Não existia o movimento dos sem-terra? Ela poderia fundar o movimento dos sem-filhos, pensou divertida. Resignada, tinha acabado de passar o batom – sempre seu último preparativo antes de sair de casa- quando a campainha tocou. Quem seria? Abriu a porta. Deu de cara com um homem alto, lindo, de cabelos escuros, olhos verdes, muito bem vestido e sorrindo para ela. Vamos?

Sem entender nada, mas querendo muito acreditar que aquilo estivesse realmente acontecendo, ela apenas respondeu: vou pegar as chaves do carro. No caminho ele falou amenidades. “Será que seu tio vai gostar desse vinho?” Sim, para completar ele havia trazido um presente para o anfitrião. “Sabe que esta é uma ótima safra?” . Parecia que o homem perfeito tinha se materializado.

Ela não ousava questionar: mas quem é você afinal? A única pergunta que teve coragem de fazer foi perguntar o nome dele. Gabriel.

Foram recebidos pela família com muitos sorrisos e abraços – como sempre acontecia. A diferença é que havia uma certa eletricidade diferente no ar. Todos pareciam encantados com o charme e a simpatia do Gabriel. Uma prima não se conteve e revirando os olhos comentou: “ Prima, que guapo, parabéns!”.

A noite foi perfeita, como um sonho. Gabriel estava carinhoso com ela, como os homens apaixonados geralmente são. Mexia no seu cabelo, falava baixinho no seu ouvido, ria muito e lhe servia vinho – que o seu tio adorou. “Esse é dos bons!”.

Fim de festa, todos se despediram e os olhares entre os familiares eram de total aprovação.  Entraram no carro e mais uma vez ela não ousou perguntar nada. Chegaram na casa dela, Gabriel deu-lhe um longo beijo e falou: tenha uma feliz noite de Natal. E sorrindo, partiu.

Até hoje ela se pergunta como aquilo aconteceu. Depois de imaginar milhões de teorias, desistiu de tentar entender.  Ah, que diferença faz? Tinha sido tão bom!

Deve ter sido a tal magia do Natal.

 

 

 

 

A GALINHA E O SAPATO

Por Sandra

 

Um dia nossa galinha branca apaixonou-se por meu sapato dourado de festa. Ela passava o dia todo ali, empoleirada dentro da sapateira, como que chocando os ovos de ouro.

 

Um certo dia resolvi fazer uma limpeza e joguei fora alguns sapatos velhos. O dourado foi junto. Só percebi a besteira que havia feito depois de ver a coitada da galinha branca correndo em volta da casa, cacarejando que nem uma louca. Tarde demais, já devia estar no lixão.

 

Esse amor improvável era realmente verdadeiro. Essa galinha faltou morrer: não comia, não bebia, não botava. Entrou no poleiro do quintal e lá ficou.

 

Todos na fazenda se condoeram. Quem nunca havia sofrido por amor?

Até no lixão os peões foram tentar encontrar o sapato. Mas nada.

 

Me senti muito culpada. Fui até a cidade e comprei outro sapato dourado. Ajeitei ao seu lado no poleiro. Ela saiu correndo ofendida, e só entrou quando os tirei de lá.

 

Todo dia íamos checar, e ela estava sempre lá, empoleirada, imóvel, como que resguardando o luto. Lhe demos o apelido de “viuvinha”.

 

Passaram-se dias e uma bela manhã, a galinha viúva não amanheceu no poleiro.

 

A notícia se espalhou, ficaram todos preocupados, onde estaria a viuvinha? Morreu? Como? Coitadinha… procuramos pela fazenda toda e nada…

 

Os dias passaram e, na lida diária, acabamos nos esquecendo dela.

 

Mas a vida é cheia de surpresas e numa bela manhã, quando um dos peões abre o seu armário, vê dois olhinhos muito brilhantes lá no fundão. Retirando toda a tralha vê, com alegria, a viuvinha toda feliz aboletada ao lado de suas velhas botas de couro.

Ele, o peão, sábio das coisas do amor sussurra:

-“É, guria… um amor só se esquece mesmo com outro…

 

80 ANOS DO MEU AVÔ

 

Meu avô, como eu, é muito exato.

Sua vida é baseada em números:

1 é o número máximo de cachorros que ele tolera;

2 vezes ele tentou consertar a bruxinha;

3 vezes ele me deu a mesma boneca (nenê nova);

4 metros de altura era quando eu achava que ele media – até o ano passado;

5 é o número de netas;

6 (-1) é o número de netos;

7 dias passamos no bazolles com direito a mel do ursinho e baguete todos os dias;

8  quando eu tinha essa idade ele decidiu me ensinar o sistema binário dos computadores;

9 (+1) é de acordo com ele, o número de músicas que tem que saber tocar no violão para não passar vergonha;

10 reais é o quanto a gente ganha para acertar o número de pacotinhos de açúcar;

50 algarismos do (número pi) ele sabe falar a qualquer momento – mesmo que não estejam certos;

100 vezes ele ficou decepcionado com o Corinthians;

1000 vezes ele ficou feliz (c/o time);

Infinito – mesmo que não seja um número concreto – é meu amor por ele.

                                                        Tatiana

O Coelho Sonhador

Era uma vez um coelho muito simpático, mas não era um coelho comum ele tinha um sonho,um objetivo,ele queria fazer a diferença na vida de alguém, ele queria ser importante.

Um belo dia,digo um belo dia mesmo, daqueles que o sol bate na água,que tem uma brisa gostosa que os passarinhos cantam em harmonia,o coelho já cansado de correr atrás de seu sonho decidiu que iria esperar até que ele  viesse. Aproveitou para curtir aquele dia lindo…

Então o tempo passou e passou e passou e nada do seu tão querido sonho se realizar.

Até que um dia no fim de tarde o coelho ouviu uma voz, mas uma voz cantando, e era uma voz tão mais tão linda, doce e bela que imediatamente seguiu-a e encontrou uma linda  moça sentada no chão.

Ela tinha cabelos pretos e curtos,lábios vermelhos como sangue e pele branca como a neve.

Na hora ele ficou encantado com sua beleza e desde então passou a ser seu fiel companheiro.

Mas antes que ele pudesse perceber três passarinhos já o estavam guiando para uma casa pequena,muito pequena que parecia de anões.

No dia seguinte lá foi ele visitar a tal moça e para sua surpresa ela estava cantando,limpando e cozinhando.Observou a tão linda moça por dias,semanas e ate mesmo meses.

Quando, em uma tarde comum ele foi visitá-la e viu que ela estava deitada em um sono profundo.

Ele ficou horas e horas observando e ela não acordava,então ele lembrou da velha historia que só um beijo de amor verdadeiro poderia acorda-la.

E assim sem pensar duas vezes ele foi chamar o príncipe que não morava muito longe.

Por sorte o príncipe estava no jardim do palácio e assim que o coelho o viu saiu correndo daquele jeito que os coelhos sabem correr.

Quando finalmente ele chegou lá ele cutucou o príncipe.

Ele não percebeu, então cutucou mais uma vez e mais uma até que a unica solução que ele achou foi roubar sua coroa e acredite  pode ser que os coelhos não saibam correr mas pular era sua especialidade!

Assim  foi correndo com a coroa e claro, o príncipe foi atrás e os dois foram até onde a linda moça estava.

Assim que o principe  a viu ficou encantado,não sei se você acredita mas aquilo foi realmente amor tanto que assim que ele a beijou a moça acordou.E eu nem preciso dizer que eles viveram felizes para sempre e o coelho também.

 

Bebel

A Rua Giacomo Puccini

A rua era  pequena, apenas um quarteirão. Lá moravam: Dr. Luizinho, que não era doutor. Tinha na esquina sua farmácia, onde passava os dias atendendo e estudando para quem sabe um dia, vir a ser doutor de verdade.

— Seis casas, encostadas e interligadas pertenciam a mesma família. Todos irmãos. Todos “buona gente”. Nas casas dos irmãos vizinhos, era uma barafunda entre eles sempre gritando. Brigavam e faziam as pazes em alto som, rindo e chorando como bons italianos.

— Duas casas também pertenciam a duas famílias os “nonos”, os “zios” e os primos.

— Outras quatro ou cinco pertenciam a famílias independentes. Além disso havia alguns terrenos vazios. Uma dessas famílias, a do Dr. Argemiro, que não tendo filhos adotou um sobrinho que, por não ter conseguido entrar na faculdade, era obrigado a usar  um burrico pendurado no pescoço. Ele adorava o penduricalho, não considerava um castigo.

— Seu Vassorinha, sua mulher e os filhos,  eram divertidos, mas não repartiam com os vizinhos  as alegrias familiares.

— Havia uma família que por ser hoje diríamos  (gourmands ou gourmets) eram bem gordos. Eram os únicos estrangeiros  (para os vizinhos) uma vez que todos os outros eram “oriundi”! Eram Sr. Fritz Gordo, Dona Frida Gorda e Lu Gorda! Alemães, claro.

Bem, todos vizinhos se conheciam, mas era apenas  “bom giorno” … “boa noite”. E não passava disso. Um ciau e no máximo um sorriso. Não tinham convivência, viviam isolados cada um no seu mundinho.

Mas…Numa certa manhã apareceu na rua um cachorro vira lata até a alma, e a alma de um vira lata é o máximo. Nunca exige nada apenas quer amar e ser amado! Estava bem acabado. Machucado, sujo e cheio de pulgas. Porém era de uma simpatia contagiante, que acabou por conquistar  toda a vizinhança.

Como todos queriam adotar o cão, acabaram por conversar e resolveram fazer uma reunião para decidir o que fazer com ele.

Como vamos chamá-lo?

Reuniões algumas noites para escolher o nome, que viria a ser TANTAN. E que TANTAN decidiria com quem ficar.  Tratado e recuperado, ele escolheu, ser de todos uma vez que andava pelo quarteirão acima e abaixo durante toda noite. Durante o dia dormia embaixo da árvore numa sombrinha gostosa.

– E o que fez TANTAN?

                Dr. Luizinho ficou praticamente o médico de toda a italianada até dos alemães. TANTAN também era seu cliente.

Naquele tempo não havia ladrões, apenas larápios que entravam nas casas para roubar uma galinha ou alguma peça de roupa dos varais.

Mas, na Rua Giacomo Puccini jamais houve um roubo, pois todos os malandros sabiam da ferocidade de TANTAN, o guarda noturno.

Ele era muito engraçado pois tinha lá suas  preferências. Gostava muito de braciolla, mas não comia carne moída. ( Carne moída, devia pensar ele, nem morto). Arroz e feijão algumas vezes.  Gostava é de melancia, vai saber.

Agora, sábado, depois da chegada do TANTAN, a vizinhança se reunia. Era dia de churrasco. Ele era o primeiro a chegar, parece que sabia que era sábado. Amanhecia  na porta do Sr. Fritz Gordo e lá ficava.  Aprendeu até a tomar cerveja. Antigamente cachorro não comia ração, mas sim o que as pessoas da casa comiam

Só ia lá aos sábados, porque penso que não gostava de comida alemã.

Envelheceram juntos, TANTAN e os  amigos da rua. Mas amizade a alegria e o amor que ele trouxe jamais serão esquecidos pelos que  foram premiados com a oportunidade de com ele conviver.  Aquela dinâmica diferente, daquela  rua tão especial:

A Rua Giacomo Puccini.

O LIVRO

Em todo lugar que  ele ia levava o livro. Não era um livro qualquer  era aquele, sempre o mesmo. Na sala de espera do médico lá estava ele lendo o livro. No avião nas viagens curtas e longas, sempre o livro presente.

Nas férias, podia esquecer a mulher em casa, mas não esquecia o livro.

Era um livro diferente.

A começar pelo autor: Giovanni Takaoka Smith Von Bratner Martines da Silva. A gente pensava: – será italiano, ou japonês, americano ou alemão? Mas tem também o Martines… deve ser espanhol… e o da Silva? Deve ser português!

O mistério aumentava quando se lia o nome do livro: OH OH? Mas que pode significar OH?

Ele não mostrava o livro para ninguém. Quando alguém perguntava sobre o livro dizia: —  eu acho que hoje vai chover. Quando insistiam muito, ele falava: — versa sobre as taipas do furor sarilho.

Guardava o livro numa capa de veludo, ficava na sua cabeceira.

Um dia o livro sumiu.  Gritou com sua mulher aonde estava o livro. A mulher respondeu – coloquei na prateleira, junto com os outros livros.

— Como assim? Meu livro junto com outros livros? Não sabe o que ele significa para mim? Ficou sem falar com a mulher o resto do dia.

Para que ninguém se atrevesse abrir o livro, colocou um filme de plástico, igual ao que se usa para alimentos.

Quando ia ler o livro tirava o plástico. Quando terminava, outro plástico. Esta postura, logo despertou a curiosidade de todos. Dizia sua mulher: — Deve ser seu diário, onde ele anotou tudo que aprontou na vida.

Sua filha mais velha tinha outra versão: — são poesias que escreveu para suas namoradas, e o nome do autor, foi um pseudônimo – que ele criou. Seu genro, achava que ele devia ser um nobre e que o livro seria a estória de sua família, que ele jamais conhecera, pois sua mãe, desobedecendo a família, se casara com um pé de chinelo sem eira  nem beira e isso o deixava muito mal, e pensava: — sou meio nobre e meio nadica de nada, mas não queria que ninguém soubesse que ele era o que era. Por isso o mistério!

No trabalho não era diferente. Todo dia ele levava o livro, punha em cima de sua mesa. A secretária dizia: — deve ser um livro de auto ajuda de onde ele tira aquelas regrinhas que ele fala todo dia.

Um dia na casa dele rolou uma vasta feijoada. O primo do Rio veio. A tia  Lili trouxe os dois filhos, e suas namoradas, claro, o Afonso, interesseiro, nunca telefonava para saber se estavam bem, soube  da feijoada, e veio. A filha por sua vez convidou duas amigas da faculdade, e é claro os namorados.

Enfim, a casa estava cheia, de cara rolou uma batida de côco, que estava uma delícia. Antes da feijoada propriamente dita, serviram uns torresminhos, umas batatinhas fritas. Todo mundo foi então para o canto das caipirinhas. Tinha de tudo: de limão, de frutas vermelhas, lima da pérsia e de tangerina, esta não sei  porque, foi a predileta. O anfitrião, dono do livro, experimentou todas. Quando a feijoada finalmente foi servida aconteceu o inevitável, ele deitou no sofá e apagou. Dormia tão profundamente que nem ouviu a tia Carminha cantar (sorte dele). Nem tomou conhecimento quando o baile começou com música altíssima, que se  ouvia da rua.

Foi então que alguém sugeriu: — vamos ver de que se trata o livro? Animados, descontraídos pelo álcool resolveram desvendar o mistério, apesar dos protestos de sua mulher. Tiraram a capa de veludo, o plástico de proteção e abriram o livro. Para surpresa geral, era a Bíblia, com algumas frases sublinhadas: “amai-vos uns aos outros, como eu os amei”. “Não julgueis para não seres julgados”, “o reino de Deus…

Colocaram o livro de volta direitinho no lugar onde estava.

Desse dia em diante, ele passou a ser mais respeitado e admirado.

DONA NENÊ

Morava numa vila, ali na periferia de São Paulo. Lá todos se conheciam pois era um lugar bem pequeno. Pessoas simples, boas, que se interessavam umas pelas outras.

Depois que Dona Nenê enviuvou, andava meio tristonha, e a conselho de sua filha, procurou um doutor.

Disse-lhe ele: – Andar Dona Nenê, a senhora precisa andar, pois isso seria muito bom. Para tudo. Colesterol, triglicérides, coração, circulação, pulmão, ossos e também para a cabeça.

Ela pensou e disse:   ̶ Mas doutor, onde moro é ladeira e a rua é de terra, se chove tem barro e se não chove é uma poeira lascada.

̶ Vá ao Parque  Ibirapuera, e procurando na internet deu-lhe o número dos 2 ônibus e o metrô que deveria pegar para lá chegar.

Na vila perguntaram-lhe o que o médico dissera,mas como ela não lembrava todos os benefícios que andar lhe fariam, disse aos vizinhos que precisava andar por conta da cabeça.

Cabeça? Reunião de vizinhos preocupadíssimos com a cabeça de Dona Nenê. Seu Zé, ajudante do açougueiro do mercadinho pensou e disse: – miolos, são os miolos com certeza. Já seu Bigode que trabalhava como ajudante de mecânico lá da esquina, sentenciou:-  ah! Isso é coisa de parafuso, deve ser um parafuso. Nalda que tinha ali mesmo seu salão de beleza com autoridade declarou: – isso é coisa da progressiva,  pois é muita química, veneno puro, e  sabe, enquanto o falecido vivia ela fazia sempre. Aquilo destrói o miolo. A mãe do Sr. Zé era benzedeira e fazia lá suas rezas, dizia que era ocultismo. Foram consultá-la e o diagnóstico não foi nada favorável: — coisa feita! Do demo. Isso não tem jeito.

Bem e assim o assunto da vila era a cabeça da Dona Nenê. A filha diziam outros, nariz em pé, granfina quer que a mãe morra para ficar com a casa!

5:30 da manhã, Dona Nenê saia de casa para tomar as conduções que a levavam ao Ibirapuera. Com sua sacolinha  um lanche para o almoço e a garrafa de plástico com água, que ela enchia lá no Parque mesmo. Andava, andava. Apesar de no começo achar aquilo uma chatice, foi se acostumando.

Na vila, os que saiam cedo, espiavam Dona Nenê sair com sua sacolinha. Era aquela falação. Nossa. Nossa!

Nova reunião de vizinhos:

̶  Antes, quando seu Severino vivia, era uma mulher de respeito. Séria. Muito direita mais agora segundo os homens, ela tinha arranjado um amante.

Bem com certeza concordaram todos, Dona Nenê, andava bem alegrinha. Nalda a cabeleireira interveio e disse: ̶ gente! Eu pessoalmente acredito que ela anda pedindo esmola! Sai daquele jeito de manhã, todo dia mar arrumada. Na missa do domingo, é um luxo só!

Bem, Sr. Pedro o mais idoso e também o primeiro morador da vila, que pouco falava, resolveu por si só descobrir o segredo de Dona Nenê. Uma vez que praticamente todas as pessoas da vila estavam com problemas, algumas curiosas, outras até com medo de Dona Nenê, o resto da vila à beira de um ataque de nervos, tal estresse   que estavam vivendo.

Ele perguntou, e ela respondeu: — já que todos estão preocupados, domingo próximo posso acabar com toda essa encrenca.

7:00 de domingo, quase toda vila se juntou à Dona Nenê. Queriam saber o que ela fazia todos os dias que a deixava tão diferente, tão mais feliz.

Ah! Surpresa!

Caminhava todos os dias no Parque Ibirapuera

Freud Explica

Freud estava fora de moda quando fiz faculdade. Eu só havia lido um ou outro pequeno trecho dele, nas aulas de linguística. Comecei meu estudo relendo seu livro, que trata de como nossos lapsos revelam o conteúdo do nosso inconsciente.

Quem sabe essa leitura não me ajuda a entender também meus sonhos?

Era muito estranho sonhar sempre com a mesma cena, sem continuação! Sempre o mesmo: uma escola, o toque do sinal do recreio soa alto, e todos correm em direção ao parquinho. Dirijo-me ao escorregador, meu brinquedo preferido. Subo até o ponto mais alto, paro e olho para baixo, mas não consigo ver mais nada. Quando me dou conta, já estou acordada.

Decidi que era hora de tentar entender o que tudo aquilo significava. Perguntei à minha psicóloga Caroline se ela sabia de algum livro que me ajudasse a compreender meus sonhos.

Assim, ela me emprestou seu exemplar do livro A Interpretação dos Sonhos, de Freud, e sugeriu que discutíssemos aquele assunto durante alguns encontros.

Conversando com Amy, dias depois, descobri que ela também já tinha lido esse autor, para tentar entender a si mesma. Foi essa uma das minhas maiores motivações. Passei o resto da minha semana com a cara enfiada na obra.

Sábado, no limite da exaustão, dormi com o livro no colo.

De novo, o sonho começou da mesma maneira: uma escola, o toque do sinal do recreio soa alto, e todos correm em direção ao parquinho. Dirijo-me ao escorregador, meu brinquedo preferido. Subo até o ponto mais alto, paro e olho para baixo. Pela primeira vez, consigo ver quem me faz companhia lá: Arthur, o garoto mais desprezível da escola e talvez de toda face da terra.

Lembro-me de que ele constantemente falava que eu parecia um garoto. Sempre nas horas mais impróprias, e como eu me irritava com aquilo!
Ele sobe no brinquedo, e ficamos frente a frente. Com o olhar fixo no meu, sádica e lentamente ele repete aquela frase que eu tanto odiava.
Sem pensar avanço nele, brigamos feio.

De repente, olho para baixo, e, assustada, percebo que ele já não estava comigo, e sim, na areia, imóvel. Saio correndo em disparada, para longe de tudo aquilo. Desesperada, acordo.

Suando frio, expliquei à psicóloga o meu sonho. Será que fui eu quem matou Arthur? Deve ter sido esse o motivo pelo qual eu não conseguia ver mais nada depois de um certo ponto. Essa imagem deveria estar escondida no meu inconsciente junto com a minha culpa pelo homicídio. Eu era uma assassina.

Assassina. Não importava o que minha psicóloga dizia, aquela palavra continuava a ecoar em minha cabeça. Como eu pude fazer aquilo? Matar uma pessoa! Que tipo de criança horrível eu fui? E pior, se fui capaz de tirar a vida de alguém uma vez, quem garante que já não o fiz outras vezes?

Durante horas, não conseguia pensar em mais nada. Passei noites em claro e sem ir às consultas. Não atendia o telefone, não saía de casa. Em um ato desesperado, tentei, sem sucesso, me afogar.

Tinha alucinações. Ouvia vozes. Definitivamente, eu estava enlouquecendo. Não conseguia comer, há dias não tomava meus remédios para ansiedade, minha casa estava completamente destruída.

Aflita, Caroline contou tudo à Amy, que foi até minha casa e me encontrou em estado deplorável. Com seu jeito próprio, e com muito trabalho acabou me convencendo de que o melhor a fazer, agora que a ferida já estava aberta, era encará-la de frente. Sugeriu procurar informações sobre Arthur. Acreditava que só assim eu conseguiria ficar e paz novamente.

Descobrimos, para meu grande alívio, que Arthur estava vivo. Embora mais tranquila, ainda restavam diversas questões em minha cabeça. Será que eu era louca? Problemática? Porque eu matava Arthur toda noite? Tentava obsessivamente entender de todas as maneiras, como eu havia sonhado com a sua morte se aquilo não havia acontecido.

Concluímos, baseando-nos em Freud, que aquele sonho era, na realidade, a expressão de um desejo inconsciente que eu tinha de matar Arthur. Pensamos, ainda, que Arthur podia ser apenas um símbolo de todos aqueles que me maltrataram durante o período escolar.

Fiquei mais tranquila sobre meus sonhos, mas algo maior emergiu e agora me atormenta: Afinal, quem sou eu, e quais outros desejos o meu inconsciente oprime?

 

Tati

 

 

DIALOGO DE PERGUNTAS

– Aloo?

-Consultorio médico,- Vicentina , com quem eu falo?

– Moça, preciso de consulta urgenti  aíh eh consutoro  do dotô  Marcel, eh  ?

– Seu nome por favor?

 – Meu nomo?  É Evangerdina   Souza dos  Reis , mas  pode marcar ai Dina, só Dina, só ?

-Próxima data para consulta que eu tenho com o Professor Doutor Marcel,   é ,  daqui  a três meses,  dia  15/07 as 18.45. Quer agendar?

-Treis  meis ??

-Por favoor ,senhora :  sra  DINA da onde? ?

-Como assim de onde é? É daqui da casa da vizinha, , mods que o orelhão da rua zuô, sabe como é , né, a senhora já viu isso, um orelhão ser distruido pelo povo q  precisa del ?

-Já é paciente ?

– Ah num ando paciente não, viu,dona vicentina, é vicentina, ne ?

-Sra,  está DE BRINCADEIRA COMIGO?

Eu hein? Noossa, num se pode perguntar nada  que a sra já fica neuvosa ?

-Olha aqui,  Eu sou   sozinha  mas muuuuito ocupada : a senhora acha que eu tenho tempo a perder com uma maluca que nem a senhora??

– Ô minha fia, sei que a vida das mulé num são fácil não viu, eu mesma atendo uma fila enorme

delas aqui pra arranja  marido bao pra elas miorá de vida. Dia inteiro na minha porta!  Isso a senhora acha tambem que é fácil ?

– Co-como assim, d. Lina,o que a senhora faz?

– Sou vidente e amarro o amor  bão pras mulé; sabia que já fui madrinha de mais de 100 casamento ?

– Seeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeério ?-Estou procurando alguém assim a anos!- A Sra pode me atender ?

– Posso sim, minha fia,  mas só tenho horaro daqui a quatro mês. Vai  querê  agendááa ??

 

– Olha estou vendo aqui que houve uma desistência para amanhã, na agenda do Doutor Marcel, a senhora quer aproveitar ?

– Tá bom fia. Tô ai amanhã. Ce pode vim depois da manhã a noite aqui em casa?

 

SONHANDO ACORDADO

São Paulo, 14 de Outubro de 2080.

Caro Fernando,

Boas notícias!

Salvamos mais um! O sujeito 509 foi encontrado recriando o que antigamente chamava-se de cama, enquanto rabiscava um papel. Estava alucinado, dizia que precisava deitar-se e ficar imóvel naquele objeto, com os olhos fechados.

Acho que ele era do tempo de antes, da época escura onde quase um terço da vida era gasto com sono. Disse estar preocupado com a raça humana, vocês acreditam nisso?

Mas já calei a sua boca. Agora é útil e produz tanto quanto os outros.

A parte engraçada está em um bilhete que encontramos no seu bolso. Eu guardei uma cópia, olha só.

 

Luís, 

Posso ser capturado a qualquer momento. Escrevo para você esse bilhete, esperando que possa decodificá-lo e fugir. Eles não entendem, não estavam aqui durante a epidemia. Mas eu estava, eu vi meus amigos tornarem-se monstros. Vou te contar um pouco de como foi.

Há muito tempo atrás, as pessoas dormiam. (A expectativa de vida era alta – 80 anos! – nada comparada aos 35 que temos hoje).  O sono era o único momento de paz, parecia um hiato obrigatório e crucial no roubo do nosso tempo pelo sistema. Até que foi contornado. Inventaram uma pílula que tirava o sono, a 24/7, versão anterior daquela que há hoje. 

No início foi uma maravilha.Como não dormíamos, a vida parecia eterna! O ditado “tempo é dinheiro” nunca foi tão verdadeiro como naquela época. Todos estávamos felizes, era o fim dos problemas. Poderíamos ter mais tempo livre, viver mais, trabalhar mais, ganhar mais e prosperar. A classe baixa finalmente conseguia adquirir objetos de luxo. Todos trabalhávamos incessantemente e cada vez mais enriquecíamos.  Viver e desfrutar ficava sempre para mais tarde, afinal, tínhamos tempo!

Claro, as pessoas endividavam-se de maneira que teriam que trabalhar sem pausas até o fim da vida. Claramente era esse o objetivo…

Porém, passado alguns meses, a falta de sono começou a afetar a população de maneira significante . Algumas pessoas perceberam que o sono não era uma mera perda de tempo, mas necessário. Ainda assim, já não era possível  a desvinculação da droga. Éramos física e psicologicamente dependentes. Ademais, quem tentasse sair do sistema seria marginalizado, excluído e perseguido até se render de volta, e é por isso que te escrevo esse bilhete.

A saúde geral da população ficou abalada, e o pior: a saúde mental, praticamente irreparável

Sonhando acordado, tantos indivíduos entraram em estado catatônico que chegaram a ficar assim durante dias. Além disso, como não dormiam, a sua memória não se consolidava, então logo esqueciam de quem realmente eram.  

  A dependência física e psíquica da pílula era tanta, que não tinha mais volta. As pessoas começaram a morrer. Outras ficaram loucas. Outras, mais loucas ainda, não percebiam o que estava acontecendo. Aprimoraram a pílula e, manipulando as pessoas por meio de suas emoções, disseminaram o discurso de que a vida sem sono era a melhor possível, mesmo que a saúde ficasse um pouco comprometida. 

Precisamos fa-

 

Bem, o bilhete pára por aí, pois foi quando encontramos e salvamos esse miserável ser.

 

Como você pode ver, o sujeito parece de fato acreditar nesse monte de mentiras que tenta disseminar com esse bilhete. Claro que lembramos quem somos, somos trabalhadores, né gente?!  Incansáveis, podemos cada vez mais! Vivemos como engrenagens de um sistema maior, que, incessante, deixa a todos nós felizes. É claro que não é possível viver fora desse sistema, mas quem é que iria querer?

Temos baixas, sim, mas o que são algumas pessoas meio loucas em meio a tanta normalidade?

Mas acho que não há motivos para grandes preocupações. Em uma sociedade tão avançada e inteligente quanto a nossa, as pessoas não cairiam em uma falsa propaganda de uma “vida melhor”. Além do mais, esse é só mais um lunático que estava sonhando acordado.”

 

Sempre Alerta,

João.

 

TATIANA

 

DESCULPAS À PARTE

Uma semana antes da abertura da Copa, o jogo seria um clássico, Brasil e Argentina. Fiquei com preguiça de levantar só de pensar quantos torcedores fanáticos teria de enfrentar na rua, pois trabalho na bilheteria oficial da Copa do Mundo de 2014. Eu particularmente, odeio futebol.

Ao final do dia, a fila ainda estava imensa, mas acompanhei tudo de perto.

Um homem e uma mulher começaram a discutir, pois esta queria passar para a fila daqueles que compram meia entrada (gestantes, pessoas com problemas físicos, idosos, crianças menores de dez anos,) alegando  que estava grávida.

– Senhora, aonde pensa que vai? – Exclamou um senhor que estava na fila de meia entrada.

– Para a mesma fila em que o senhor está, por quê?

– Desculpe, mas qual é a sua necessidade especial?

– Não está vendo? Estou grávida.

– Ah não, mais uma malandra querendo se dar bem né? Vai me perdoar, mas não está grávida coisíssima nenhuma!

– Como assim?! – a mulher se irrita- Olha aqui a minha barriga!

-Pff, isso não é barriga de gravidez.

– Ah não? O que é que é então, senhor sabe tudo? E falando em falsidade, qual é a sua necessidade especial?

Percebi que a discussão estava ficando quente.

– A minha necessidade não te interessa, mas Isto ai se chama gordura, sabe, você deve ter ganhado uns quilinhos extras.

A mulher queria avançar, os seguranças não a deixaram. Os dois se retiraram da fila e continuaram a discussão.

-Olha aqui, se quiser, vou até minha casa e trago os exames, mas me diga qual é a sua necessidade?

– Quero vê-los!

Só trago se você me disser e me prová-la .

– Está bem! Tenho uma perna mecânica.

– Há há há. Conta outra, esta foi a minha desculpa da semana passada.

– AHÁ! Você admitiu que era mentira!

Já estava escurecendo, e nada da briga acabar.

Não admiti nada! Não tire palavras da minha boca!!

Mas você acabou de dizer “esta foi a minha desculpa da semana passada”

A minha voz não é assim! Mas não mude de assunto! Quero ver a sua “perna mecânica” – disse a senhora, com uma voz esnobe.

Está bem.

 

O senhor levanta a calça, e mostra sua perna, aparentemente normal.

 

Puxa vida, mas como o senhor é mentiroso ein?!

Mas, é real!

Quero ver os exames, então.

Está bem, mas só se me mostrar os seus.

Com prazer. Moro aqui do lado. Volto em cinco minutos.

Eu também.

Cinco minutos depois, os dois aparecem,segurando envelopes brancos.  Eu acompanho tudo de perto.

Viu só meu senhor, eu os trouxe!

Viu só minha senhora, eu também trouxe!

Ok, vamos trocá-los.

 

Os dois trocam os exames, e depois de uns dez minutos de análise, o senhor puxa papo:

 

-Puxa vida, me desculpe, não é que era verdade mesmo.

-Não disse. Mas não te julgo, fiz a mesma coisa, me desculpe, não tinha ideia.

– Bem, vamos voltar para a fila então?

-Claro.

Os dois se viram, e constatam que o único ali sou eu .

 

-Com licença meu senhor  -a mulher me diz

Sim? – respondo

Cadê todo mundo?

Ué, foram embora, os ingressos já acabaram.

 

TATIANA

 

O REENCONTRO

Toda segunda feira é a mesma coisa. Clico na caixa de entrada e vejo despencar, em efeito dominó, um monte de letrinhas agrupadas com os mais diversos  assuntos.

No meio deles, em caixa alta, vejo lá:

REENCONTRO DOS FORMANDOS DE  1990

Em seguida, outro titulo:

FRAAN, vamonessa!

Só podia ser da Ritinha, minha amiga querida (e única)da classe da faculdade.

– Vambora, Fran, vai ser tudo! No mínimo agente toma um vinho, vê como está o pessoal e dá boas risadas! Não aceito não como resposta. Vai ser só dia 16. Passo para te pegar ás dez e depois te deixo em casa. Damos só uma passadinha…!

-Ah Ritinha, não sei não, se eu já era peixe fora d agua naquela época, que dirá 20 anos depois…Aquela galera da psicologia nunca me aceitou. Diziam que eu era grãnfininha , patricinha,acho que implicavam comigo só porque  eu  não usava chinelo de couro e sempre cortava as unhas dos pés ! Não fosse você, Ritinha, eu tava frita.Não, não to fora. Só faltava essa ! Ter que  me desarrumar toda para ir a uma festa bicho-grilo. O que vai ter lah, batida de tofu?

– Te pego as 10. Beeeeeeijo.

Da portaria do clube dava para ouvir o som alto tocando flash back.

Cheguei a pensar que estávamos na festa errada. Quem era aquela gente?

Um exercito de  carecas e mulheres  loiras de pretinho básico, em cima de saltos altíssimos. Todas com  testa  lisa e cara de vento…. sem falar na tal escova  progressiva, que deixou todas elas iguais, um nivelador social  só comparável à praia de Ipanema.

-O que aconteceu com a cabeleira da galera do grêmio? tentei  especular com a Ritinha.

Mas ela nem me ouviu. Nem sequer estava do meu lado, ocupada demais em abrir suas asas, soltar suas feras, e cair na gandaia. Da pista,acenava para mim : Veeeem, boba!

Cinco taças de prosecco  depois,  aderi  gloriosa a coreografia  do grupo:

nanannananananananna, Macarena

nanannananananannana,Macarena

nanannananananannanna, Marcarena

Na voltinha do  eeeeeeeeeeee  Macarenna , passei rapidamente os olhos pelo entorno da pista  e então gelei. Estou ficando louca ou aquele é o Luis?

Só tive certeza quando olhei para o crachá:  LUIS BEVI. Fiquei paralisada. E antes que fosse pisoteada pelas colegas que soltavam a louca na pista, cheguei mais perto, quando ele se antecipou:

 

-Oi, Fran! Noossa não acredito!

-Ooooooooooooooooi Luis, quanto tempo…!

-Como é que você  está?

Com as mãos no ouvido, me puxou para o bar, para tentar ouvir a resposta.

-Nooossa que barulheira !!! Quer tomar alguma coisa?

Na faculdade, estudávamos no mesmo prédio, embora fizéssemos cursos diferentes.

Reparei nele desde o primeiro momento. Nos cruzávamos na escada e ele sempre me olhava, meio sem graça. Um dia, não sei nem como, passamos a nos falar oi. Adorava a maneira como ele segurava os livros, apoiados entre a perna e mão direita e o jeito como ele descia a escada, pulando os degraus de dois em dois. Usava quase sempre  camisa xadrez  azul e jeans. Era bem fortinho, o Luis. Seu estilo surfista –com- óculos- John Lennon, era simplesmente irresistível .

Dava para perceber que era do tipo tímido, nada pavão, do jeito que eu gostava. Eu sempre aparentei ser meio perua, mas a verdade é que por dentro eu  não era assim. Sempre fui meio feiosa, então precisava de produção, era só isso.

Depois de um tempo,nossos encontros na escada foram rareando, cheguei a pensar que ele tinha saído da faculdade. Um dia, fazendo uma reunião de grupo na biblioteca, eu o vi numa salinha de estudos,  sentado  com o faxineiro  e amigão da gente, o Zé Vitrola. O Luis estava ensinando o Zé a escrever!! Me apaixonei por ele através do visor da janelinha da sala, sem ao menos trocar com ele mais que um monossílabo por dia…

Era muita coincidência! Eu também estava tentando ensinar a Cida, cozinheira lá de casa a escrever  , começando da cartilha. Só que  eu devia ser muito ruim, porque menos de duas semanas de curso, perdi a aluna e minha mãe  perdeu a cozinheira. Ela foi comprar pão na padaria e nunca mais voltou.

Voltando à festa :não precisou mais que dois minutos para a gente voltar àquela época:

-Conta a verdade, Fran, a tal Cida existia mesmo, ou  aquela conversa sobre o método de alfabetização era só xaveco?? Sim, por que desde aquela tarde, você não me largou mais.

-Ai que  mentira, Luis! Você é  que grudou em mim os quatro anos seguidos, até que você foi embora ,cursar o ultimo anos nos Estados Unidos!!

Começamos então uma viagem de volta ao passado, relembrando o tempo ido, coisinhas de nos dois, regadas a risadas eufóricas interrompidos apenas por alguns “ que fim levou fulana e fulano?”

Fiquei feliz ao ver que ele se lembrava de tantos pequenos detalhes da nossa ex-vida.

E que vida. O Luis foi meu primeiro amor.Um amor tão grande que doía o peito.

Nos poucos momentos de silêncio, Luis me olhava e sorria com uma calma espantosa. Eu sorria de volta,tremendo, com os olhos fixos nele.

Do presente, nada falamos. Não importava. Sabia que ele tinha cursado a faculdade de economia fora,  que trabalhava num banco, era casado e tinha um filho só e que dificilmente vinha ao Brasil. Nunca procurei saber mais dele. Afinal,tinha minha vida: o Beto, as crianças, o trabalho…

 

Não falamos do presente, nem de nada que não fosse nós dois.

Nossa vida, naquela hora, não tinha outros.

Estávamos cada vez mais soltos. Riamos e nos aproximávamos . As vezes nos encostávamos de leve. A intimidade  e o calor aumentava .

Por um botão aberto, consegui enxergar um pouco do seu peito, por dentro da camisa xadrez. Como ele eh lindo, meu Deus! Percebi algo que me parecia ser uma tatuagem.

Quando eu ia perguntar sobre isso, e também contar da minha , Ritinha apareceu no terraço.

-Já estão fechando, todo mundo já foi embora,Fran, temos que ir.

Luis me falou que iria embora no dia seguinte a noite, e antes que eu pudesse  dizer algo ,ele falou:

-Vamos tomar um café amanha?

-Vamos ,vamos sim. Umas onze é bom pra você?

Que tal no ibira?

-No lugar de sempre?

-ok

O ibira tinha tudo a ver com a gente. Nos encontrávamos quase sempre de bicicleta  numa alameda tranquila , na decima primeira árvore, exatamente a metade do caminho para quem entrava pelo portao 3-(EU) e pelo portao 5-(ELE).

-Será que a nossa árvore ainda esta lá?

-Ah não sei, deve estar…

Na verdade, eu sabia que estava, sempre que eu ia lá com o Beto e as crianças, dava um jeito de passar naquela alameda. Olhava para a árvore e lembrava do tempo bem vivido, da paixão desmedida, o desejo ardente. Recordava  o desenho do  seu corpo enroscado ao meu, ali mesmo,  em cima daquela árvore.  Lá de cima, dava para ver o lago e de lá podíamos ver também o nosso futuro  juntos. Um dia traríamos as crianças, e subiríamos com elas para mostrar o lago.

Não consegui dormir direito aquela noite, nem trabalhar naquela manhã antes do encontro. Acordei com ressaca e dor de cabeça, mas antes das onze, já estava  lá em cima arvore. Pensei que o Luis talvez não reconhecesse meu rosto, dado a camada gigante de corretivo que tive que passar pra esconder as olheiras.

Foi então que ele chegou.

Respiro ofegante. Rejuveneço 20 anos. Me sinto uma menina.

oi fran, nossa vc está  linda ..

-E você , então? Quem corta seu cabelo agora?

-Ah, sei lá, corto num lugarzinho perto do banco. Lembra quando você  cortou a primeira vez o meu cabelo ? que me encheu de grampinhos para separa-lo em partes e seu pai flagrou a gente,   no seu banheiro cor-de-rosa ??? EU com o cabelo dividido em grampinhos!!!

E qdo a gente foi viajar com a turma para o Peru: uma turma de duas pessoas, eu e vc…?? Nossa, a gente viveu hein!…

Neste momento, o celular do Luis tocou. Ele olhou o numero, mas não atendeu. A pessoa insistia. Seis chamadas em menos de 10 minutos.

O som daquele aparelho  doía em mim. Será que é a esposa? o filho?será que ele tem que ir embora de novo? Será que isto é o alarme do meu despertador e e estou sonhando?

O Luis não disse nada,mas  também ficou diferente.

Depois disso, seguiu-se um longo e miserável silencio. A euforia desapareceu.

Ficamos parados, ambos olhando para um ponto no infinito,  quase ausentes .

E , então, como se  estivesse frente ao abismo  do passado e do  presente ao mesmo tempo, Luis virou  meu rosto  e disse baixinho:

-Fran, porque  foi mesmo que a gente se separou?

– Shhhh…Me beija.

Coisa de Homem – Conto Coletivo

             O Homem pode estar ligado com a mulher mais linda do mundo, igual a uma  Gisele Bundchen e amar sinceramente esta mulher, mas quando passa uma garota bonita ele olha, e depois que ela passou ele olha outra vêz. Por que será? talvez alguma coisa do DNA masculino? ou é sem-vergonhice?

Estou cansado de receber beliscões da minha mulher. É por isso que estou tentando decifrar esse mistério masculino. Me lembro de olhar para os cabelos de minha mãe ainda bebê e admirar sua beleza. Depois foram as babás, principalmente as peitudas. Depois disso as amigas da minha mãe, as coleguinhas de classe, a professora e seus pezinhos delicados…

Na adolescência fiquei mais ousado, e além de admirar queria também tocar essas lindezas!

Nós homens somos apaixonados por essas mulheres desde sempre, somos seus devotos, é quase religioso. Expliquei a minha mulher essa teoria mas ouvi dela: “todo esse palavreado para justificar safadeza, né sem vergonha”.

Outro dia, estava com a minha amada, quando de repente levei uma cotovelada no estômago. Juro que não entendi. Perguntei – o que foi isso? e ela – não se faça de tonto, essa periguete que passou ficou olhando para você. Pensa que eu não vi? Logo retruquei – mas eu nem reparei, estava olhando para o céu. Você viu como o dia está bonito? E ela – sei, sei.

Vou dizer uma coisa, no fundo a gente gosta dessas reações, e a gente olha mesmo! Eu e todos os meus amigos. Alias, todos os homens que eu conheço. Nesta hora não tem idade, cor, nacionalidade, estado civil, não tem exceção. E tudo isso só tem uma explicação – Isso é coisa de homem, pronto e acabou! Sempre foi assim e sempre será.

Agora o que não dá para engolir é essa mulherada querendo ser igual à nós, homens. No começo elas vieram com este papo de “minhas realizações pessoais” e aos poucos foram botando as manguinhas de fora, empurrando umas louçinhas prá gente lavar, mandando buscar os meninos de quinta feira e assim foram largando mão das coisas de mulher (lavar, passar, engomar, agradar a gente etc). Agora com celular e internet então, a coisa degringolou. As amigas da minha mulher (e ela inclusive!) compartilham dum troço de “vote nos homens dos seus sonhos”, a Elvira, mulher do Vitão, tem no celular dela uma foto de um cara famoso ai, sem camisa, todo musculoso e com cara de sacana.

Homem-bomba-tanquinho? Ah não Vitão, aí não. É um absurdo, mas tudo bem, deixa isso pra lá, é melhor a gente engolir e se fingir de morto. Se reclamar…

 

Aguas Sulforosas

Férias, na praia? Não, num hotel no meio do mato, matão mesmo, com estrada de terra e carro de boi.

Por que?

Lá existiam(creio que até hoje existam) fontes de águas ditas milagrosas. Daquelas malcheirosas e chamadas sulforosas. Elas fariam muito bem a ela, para seus problemas de saúde.

Nos primeiros dias, ela emburrou, estava chateada, pensava na praia…mas, sua tia que era sua madrinha e  também  sua fada madrinha, apresentou-lhe um príncipe, o menino mais lindo que já vira na sua vida. Um Deus Grego, daqueles que estavam nos livros de seu avô. Imediatamente, decidiu: “Vou me casar com ele”. Ela desemburrou.

Via o príncipe no café e no jantar, pois o resto do dia passava em tratamento, e só pensava “Vou me casar com ele”.

Ele por sua vez, só pensava em jogar bola, andar a cavalo, sair pela mata e tomar banho de rio. Ignorava ̶ a totalmente . Ao contrário, achava a menina mimada e chata.

As famílias continuaram a amizade em São Paulo e assim a menina pode continuar sonhando com seu príncipe e repetindo seu mantra. “Vou me casar com ele”.

Cresceram. Jovens agora, viam-se algumas vezes, em bailinhos ou festas familiares das quais ela ia embora muito desanimada, pois ele era um tremendo galanteador com todas as mocinhas, menos com ela,  que não desistia; “vou me casar com ele”. Não tem importância pensava: “vou me casar com ele”, que por sua vez só pensava em aproveitar a juventude.

Mas, nem ele nem ela sabem como, quando e porque ele se apaixonou por ela perdidamente.

Não Houve nada que o fizesse desistir da menina. Nem a cambada de amigos, nem o jogo de bola, nem noitadas, carrão, farras, nada. Casaram-se e continuam apaixonados até hoje.

Essa é a estória de um amor à primeira vista conquistando um amor a longo prazo.

Quem disse que águas sulforosas não são também milagrosas?

PONTE

                 Recebi uma mensagem: “ não esqueça da ponte”. Pensei mas que ponte? Será uma ponte dentária? Não, não pode ser. Se fosse um implante… Ou será um recado futebolístico? A Ponte Preta de Campinas? Time do coração do Rafinha. Já sei refere-se à ponte do feriado de 15 de novembro. Caiu numa sexta. Será? Mas essa data já passou. Estamos em dezembro. Alguém querendo um encontro romântico numa ponte famosa: Ponte dos Suspiros em Veneza, Ponte Nova em Paris, ou menos Ponte Pensil da Praia Grande, Ponte do Piquiri na Marginal? Será um recado do cardiologista? Preciso fazer uma ponte de safena e não estou sabendo? Agora matei. É o agente de viagem avisando não esquecer a passagem da ponte aérea. Mas que passagem? Eu vou de carro. Lembrei. É o encarregado da ponte rolante querendo fazer manutenção… Não pode ser. A pessoa que me mandou o recado, por favor me esclareça. Estou ficando nervoso. Não atravesso mais nenhuma ponte. Estou inseguro.

CONTO INCOMPLETO

Qualquer disputa era com ele mesmo. Futebol, vôlei, basquete, tênis, era só ter uma partida e lá estava ele. Na sua cabeça, tudo na vida era uma luta. Quando uma menina dava bola ele não ligava, queria namorar a namorada do amigo, queria disputá-la. Quando conseguia, acabava a partida e o interesse.

 

Gostava de apostar corridas no transito, não deixava ninguém passar à sua frente, dar passagem nos cruzamentos nem pensar. Quando surgia uma vaga no estacionamento do Shopping não fazia por menos, jogava seu carro na vaga, sem se importar se havia alguém ao lado esperando. O que valia era ganhar.

 

Os amigos e as namoradas foram pouco a pouco se afastando, até que ele notou que estava ficando isolado. Sentiu então solidão, mas seu temperamento era mais forte que seus sentimentos, e ele dizia: são uns bolhas, uns perdedores, não estou nem ai.

 

Dizia sempre “competir é para os trouxas, o importante é vencer”. Quando comprava um produto e depois encontrava o mesmo em outro lugar por um preço menor fazia o maior escarcéu, brigava e fazia de tudo para devolvê-lo.

 

Um dia, sentiu-se mal e teve que ser internado às pressas numa UTI. Não podia se mexer. Todos os aparelhos estavam ligados nele. Pensava “Puxa, que vontade de comer pastel de feira soltando aquela fumacinha”. Outras vezes pensava: “que estou fazendo da minha vida? Não tenho amigos de verdade, nem namoradas, se eu sair dessa vou repensá-la” – Eu que estou escrevendo este conto, estou em dúvida: deixo o cara morrer na UTI, ou dou mais uma chance? Termine você que leu até aqui.

 

BALOFOS – CONTO COLETIVO

Todo domingo, na hora de dormir ela pensava: “amanhã vou começar a andar e fazer regime”. Quando o despertador tocava, na manhã seguinte ela lembrava de tudo que tinha que providenciar naquela semana… Lembrava também, com certo ódio, o que seu marido havia dito: “puxa, como a Amelinha está magra”.

 

Com este sentimento de raiva, ela foi às compras: tênis, meias e roupas de lycra. No provador, a verdade cruel, parecia um queijo provolone – Acho melhor começar com umas roupas mais folgadas, talvez pretas, que emagrece – pensou.

 

A noite, quis fazer uma surpresa para o marido; vestiu toda a roupa nova. Quando ele chegou, logo perguntou – Quem morreu? Você está de luto? – No dia seguinte ela começou o regime com força total e contratou um personal treiner lindo de morrer!

 

Depois de suar na academia sob as ordens de Fernando, chegou em casa olhando o celular e dando risadinhas. Olhou para o marido emburrado na poltrona.

 

– O que foi Oscar? Quem morreu? Você está de luto? – E pensou – ponto para mim!

 

Ele então, com mau humor, se lembrou das suas palavras na véspera e pensou “com mulher não se pode brincar”. Disse então – esse mês temos que pagar os IPVAs, o material escolar, as matrículas e eu ainda tenho que fazer revisão do meu carro. Estou sem grana”. Depois parou e perguntou – com quem você estava conversando no celular?

 

– Com o Fernando, meu personal, ele quase me matou. Estou cansadíssima! Ele então pensou “Já vi tudo, hoje não vai rolar”.

No dia seguinte, Oscar se levantou logo cedo e tomou seu banho costumeiro. Ao sair do chuveiro se olhou de lado no espelho e reparou que seu antigo tanquinho mais se parecia com um bujão de gás.

 

Resolveu se matricular na academia e seguir o regime passado por uma nutricionista. Ficou maníaco por malhação e regime; não comia mais a linguiçinha calabresa e nem os bolinhos de bacalhau que sua esposa fazia tão bem. Ela começou a ter saudades daquele velho Oscar, barrigudo mas feliz, ótima companhia para um churrasquinho. Um belo dia pediu:

 

– Chega Oscar! Quero sua barriguinha de volta! Você era mais divertido antes.

– Sim querida, também estou cansado dessa vida tão saudável.

Ela correu para ele e disse:

 

– Eu te amo meu fofão!

 

– Mas tem uma condição – disse ele – você tem que mandar o personal bonitão para aquele lugar!

 

– Sim meu bem! Tudo o que meu gato, sexy e pançudinho marido mandar.

 

Assim, comemoram com cerveja e uns queijinhos..

Menina Ursa

 

Por Sandra Romano

Sandra Romano

Eu sou a menina ursa. Quer dizer, não que eu seja parecida com uma ursa peluda, nada disso. Ganhei esse apelido depois de uma besteira engraçada que eu fiz, tentando acabar com minha solidão. Tenho 10 anos e nasci no interior dos Estados Unidos, numa região de lindas florestas e repleta de animais selvagens. Mas por ser uma região afastada, aqui também pode ser muito solitário. Moro com minha mãe muito longe da cidade, numa casa de madeira perto da reserva florestal, onde ela trabalha como meteorologista. Muitas vezes ela erra a previsão e fala que é culpa dos aparelhos! Mamãe trabalha muito e as vezes quando não quero ficar sozinha, vou junto, mas confesso que ficar no meio daqueles aparelhos pode ser entediante. Minha escola fica a uma hora de casa. Mamãe me leva de carro durante os dias mais quentes, mas durante o inverno quase não consigo ir, principalmente por causa da neve. Então eu fico isolada e a professora manda todo o material para que eu estude em casa. Nesses dias me sinto muito sozinha. Eu queria ter pelo menos um cãozinho, mas depois de Doggy mamãe nunca quis outro cão, diz que sofreu demais com a doença do bichinho. Mas agora sou que sofro… de solidão. Pensando em como resolver esse problema, tive uma ideia que me valeu o apelido de menina ursa. Surgiu quando eu estava lembrando do Halloween do ano passado quando me fantasiei de múmia muda. Me enfaixei inteira, apenas deixando os olhos e o buraquinho do nariz de fora. Tudo isso pra ficar do lado dele, minha paixão platônica, o ruivinho da aula de piano sem que ele percebesse. Foi engraçado porque depois de passarmos a festa inteira juntos indo de casa em casa, ele disse: -Até logo amiga… alias você é nova por aqui, não? Isso mostrou que o disfarce funcionou perfeitamente! Então estava resolvido: iria me fantasiar de bicho para arranjar amigos da floresta. Urso seria o disfarce mais indicado, e pelo meu tamanho não tinha muita escolha. Vesti um casaco de pele marrom da minha mãe que cobria ate o joelho e calcei botas de couro marrom, cobri a cabeça com um gorro de lã preta e calcei luvas escuras que deixavam as pontas dos dedos amostras “como garras”, pensei. Com toda coragem, comecei a sair no tempo gelado em direção a floresta todos os dias. A cada dia eu entrava um pouco mais fundo naquela mata, mas nenhum bichinho se aproximava, ao contrário, fugiam. Foi uma rotina gelada e cansativa. Quando estava quase desistindo, avistei com surpresa e medo uma família de ursos junto ao rio: a mãe com três filhotes. Quando me acalmei, tentei me aproximar, mas, achei mais prudente ficar só observando. Fiz isso durante vários dias seguidos. Só arrisquei uma aproximação quando vi que que a mãe tinha saído. Fui me aproximando bem devagar dos filhotes que começaram a me rondar, me cheirar… Depois de se acostumarem com minha presença, começaram a brincar, corriam e faziam ruídos engraçados a minha volta. Me davam patadas e com seus dedos pude sentir os pelos macios dos filhotes. Com eles passei três tardes muito divertidas! Eles já eram meus melhores amigos! A noite, sozinha na cama, em vez de solidão, me senti feliz… Porem, no quarto dia, surpresa! Dei de cara com mamãe ursa! Como havia me esquecido completamente dela? Ela me olhou bem nos olhos com furiosa curiosidade, talvez estranhando aquela fantasia, ou talvez estivesse sentindo em mim cheiro de seus filhotes. De repente ficou com a respiração pesada, e fungando ficou de pé me mostrando os dentes de um jeito nada amigável. Em pânico, corri como só quem encontra um urso zangado consegue correr, e com a habilidade que sempre tive subi bem alto na primeira arvore que encontrei. Por sorte era bem alta. La em baixo mamãe ursa furiosa, arranhava a terra, rodava em volta do caule arfando, querendo subir e me pegar. Fiquei desesperada, mas aos poucos fui me controlando. De repente visualizei minha situação: Tentando resolver meu problema de solidão, acabei no meio da floresta, sozinha em cima de uma arvore, ridicularmente fantasiada de bicho, correndo risco de virar comida de urso, passando medo, frio, longe de casa, da escola dos amigos, do ruivinho do piano, sem ursinhos, sem cachorro, sem mãe…. -Socorrooooooooooooo!!! Enquanto gritava o mais alto de podia, avistei uma fumaça fraca que vinha das profundezas da floresta, mas estava tão desesperada que nem dei importância. Depois de muito berrar e chorar, apareceram dois guardas florestais que afastaram a ursa e me resgataram -Que fantasia é essa garota? Disse o guarda quase sorrindo. -É uma longa historia seu guarda, Disse envergonhada, e aproveitando para mudar de assunto, contei a eles da fumaça que havia visto na floresta. Chegando no calor da minha casa, pensei na minha mãe, em quanto ela me amava… como a minha mamãe ursa meteorogista! Resumindo a história: Eu ganhei o apelido de menina ursa, virei heroína por ter impedido um grande incêndio e na escola por ter tido a coragem de brincar com filhotes de ursos selvagens e enfrentar uma ursa furiosa. Mas meu problema de solidão mesmo, só foi resolvido mesmo com dois cãezinhos que ganhei da minha mãe e com o olhar apaixonado de um certo ruivinho assim que entrei na sala de musica.

O Rei

Desde pequeno ele tinha um sonho. -Um dia ainda vou ser rei. Pensava: rei da Inglaterra com aquela coroa pesada cheia de brilhantes, com aquela capa com pele de coelho nas beiradas ou quem sabe rei da Espanha, mais fácil, ou rei da Dinamarca. Ai ele pensou deve ser difícil aprender a língua, melhor não.  Vado vivia sonhando, Vado não, Vadão, como os meninos da rua o chamavam. Também quem mandou ser  mais alto e mais gordinho que todos, era Vadão, Vadão, Vadão. Ele não ligava, somente sorria. Um dia pensou, quem sabe um pais africano. Pegou um atlas foi vendo os nomes, de repente encontrou Sudão, então pensou Vadão o rei  do Sudão, gostou, sorriu, já se imaginava com um gorro africano na cabeça, cheio de pingentes, saia escocesa, barriga para ser rei ele tinha. Na escola quando tirava nota  baixa no boletim vinha aquela bronca da mãe. Ele dizia: Mãe eu um dia ainda vou seu rei. Os amigos sabendo da estória, ficavam caçoando: Vadão o rei da gozação, ele sorria, não ligava. Quando enfim ele completou o colegial e  teve que escolher uma carreira, não teve dúvida, vai ser administração. Já imaginou Vadão o rei da administração. Já se via, sentado na cadeira de Presidente, com dezenas de  auxiliares perto… e claro, uma secretária gata. Outras vezes pensava, vou montar uma padaria serei Vadão o rei do pão. Mas nem descendente de  portugueses eu sou. De família italiana, melhor uma fábrica de massas, Vadão o rei do macarrão. Até que chegou a festa  de formatura, beca, chapéu e diploma na mão, lá se foi o Vadão. Como estava difícil um emprego para recém formado, pensou: para quebrar o galho vou começar fazendo uns carretos com minha camionete, e para  não perder a mania escreveu nas duas portas; Vadão o rei do furgão, e continuou à sorrir e a sonhar.

Cantos e Recantos

Ela sempre tirava boas notas em redação. Tinha uma tática infalível. Em todas elas dava um jeito de encaixar o seu bordão: “cantos e recantos, lugares pitorescos“. Se a redação fosse sobre suas últimas férias ela dizia: – “Passei minhas últimas férias na casa de montanha da minha avó, que fica no alto de uma encosta, cercada de lindos jardins com flores, arbustos e um riacho sinuoso, com água correndo entre as pedras formando cantos e recantos, lugares pitorescos”.

Um dia teve que escrever sobre a independência do Brasil. Não se abalou, escreveu: “Dom Pedro quando chegou as margens plácidas do Ipiranga viu o sol penetrando entre as folhas das árvores, ficou encantado com aquele lugar lindo, cheio de cantos e recantos, lugares pitorescos, e decidiu que ali seria o local ideal para se proclamar a independência do Brasil!”.

Até em assuntos mais áridos como a corrupção, conseguia aplicar o  seu bordão com tranquilidade: “Nossos políticos nunca pensaram em desenvolver o turismo, que poderia trazer riqueza para o nosso país, aproveitando a sua  beleza natural, com suas praias, seus campos, seus cantos e recantos, lugares pitorescos.  Eles só pensam em usufruir vantagens e propinas, querem defender apenas seus próprios interesses e enriquecer! “.

Um dia aconteceu enfim o esperado, o professor de português percebeu a sua estratégia: -“Olhe aqui menina, chega de cantos e recantos, pelo amor de Deus!” . Ela ficou arrasada. E agora? Pensou, pensou… Passou alguns dias frustrada até, que de repente teve uma idéia que considerou genial. Lembrou-se de uma antiga canção que seu pai cantava ao violão e dizia: “Ao cair da tarde, no horizonte, o sol mandava seus raios dourados…”. Adotou esta frase como seu novo bordão.

Questionada a escrever sobre o seu hobby favorito, não teve dúvida,  já começou a usá-lo: ” Adoro fotografia! Através das fotos podemos eternizar momentos únicos, como a sensação de encantamento que sentimos ao cair da tarde, no horizonte, o sol mandando seus raios dourados…”. Até mesmo na redação  sobre o amor deu um jeito:- ” Como é bom passear de mãos dadas com a pessoa amada ao cair da tarde no horizonte, o sol mandando seus raios dourados!”

Até seu professor descobrir este novo bordão demorou um tempo e assim ela conseguiu alguns meses de paz.

Autor:  Geraldo Romano

 

cueca

Todo dia era sempre igual. Na hora que ele saia do banho, sua mulher já tinha separado toda sua roupa. Toda não.  A cueca ele podia escolher.  Calça, camisa, gravata, paletó, meia, sapato, blusa de lã era tudo por conta dela. Ele reclamava e a mulher dizia: – Você não sabe combinar nada, veste a primeira coisa que aparece na  sua frente! Afinal era verdade. Ele seria capaz de colocar uma camisa vermelha, com uma calça verde e uma paletó laranja. Reclamar não adiantava. Um dia, após permanecer algum tempo olhando fixamente no espelho, Barbosa saiu do banho, vestiu toda a roupa que sua mulher tinha separado, só que tudo do avesso. Saiu de casa sem que sua mulher o visse. Ela ainda perguntou: – Vestiu a roupa que eu separei? – “É claro meu amor!”

Quando chegou ao prédio onde trabalhava, Barbosa entrou no elevador com o paletó e a calça do avesso. Duas adolescentes que estavam no elevador se entreolharam e cairam na risada. Uma perua que também estava lá pensou: “que exibido, só porque usa roupas de grife, quer mostrar as etiquetas”

Ao adentrar em seu escitório, os colegas não disseram nem uma palavra….silêncio total! Nem um olhar entre os secretários… todos de cabeça baixa ,é claro!! Afinal, o chefe tem sempre razão.

Mas.. ao entrar em seu território particular, onde o que acontece não se deve comentar, sua secretária, que também subira na vida com o chefe, olhando para ele, não riu, apenas disse: -Nunca vi coisa mais ridícula na vida, desvira logo essa m….a!

Não dava mais. Ele já estava na frente da sala de reunião e através da porta de vidro toda a diretoria e o grupo americano olhavam fixos para ele. Nesses anos todos de empresa aprendera a ser um sujeito equilibrado, sensato em suas decisões. N a dúvida, nunca arriscava. As vezes, após longas e cansativas reuniões se lembrava do jovem revolucionário, boêmio e inconsequente que fora um dia… -“bons tempos aqueles”pensava resignado.

A verdade é que o tempo passou voando e que desde as prestações do carro e gravidez da Dona Lucinda ele teve que se enquadrar, e daí por diante se enquadrar e se enquadrar cada vez mais.

Quando Barbosa entrou  na reunião com o terno do avesso, pode ler os lábios mudos do presidente:-“Que P….a  é essa?”

Não se abalou. Entrou na sala, saudou a todos com tranquilidade e entusiasmo. Sentou-se na cabeceira da mesa, mas a sua postura estava diferente, com o peito mais para frente, a coluna mais ereta, a gravata do avesso saltava aos olhos. os presentes acharam melhor não comentar. Então começou a reunião.

Após algumas discussões preliminares, Barbosa ficou de pé e olhou para cada um dos participantes demoradamente. De repente gritou a plenos pulmões:

-“ÓS A ACEUC!”! ( Só as cuecas ao contrário)

E pensou: -“Que se f….a, chega de ser uma pau mandado!” “O jovem revolucionário inconsequente ainda vive aqui nesse peito”, pensou.

– “ÓS A ACEUC!!” Bradou de novo.

A gravata, em seu avesso desconcertante, deu uma leve tremida. Silêncio na sala. Alguns executivos da comissão americana, nem se abalaram achando tratar-se de um dialeto “afrodescendente-whatever”. Só estranharam o tom altíssimo e as roupas do avesso de Mr Barbôsa, Justo ele, tão certinho, sempre com suas ropas ton sur ton. -“Quem sabe no Brasil o casual Friday é mais radical”, pensaram.

Em compensação, Dr Afonsim Diskisim, presidente da empresa e eterno algoz de Barbosa, espumava de ódio. A azia que o leite de soja lhe causava de manhã piorava com fatores emocionais, e ele estava a ponto de explodir. Repetiu, agora para si mesmo: – “mas que porra é essa afinal?”Chega de palhaçada!

Resolveu levantar e liderar a reunião. Sempre dando uma olhadela para um Barbosa calmíssimo, foi falando do Brasil, do potencial, das oportunidades, da copa do mundo, etc

Passado um tempo, sentiu que não tinha conhecimento suficiente a respeito do assunto e vendo Barbosa calmo e quieto, resolveu passar-lhe a palavra. Arriscou.

Barbosa levantou-se e depois de olhar algum tempo para o zíper da sua calça, olhou os chefões dos gringos bem nos olhos e gritou:

-“ÓS A ACEUC”. Atônito o presidente mandou chamar os seguranças.

Foi quando, como se o circo já não estivesse armado, surge Dona Lucinda, que em alto e bom tom, como quem apresenta um espetáculo, diz: – “Obrigada, muito obrigada a todos, espero que tenham apreciado o show!”

Diante de olhares surpresos, Barbosa pareceu cair em si, mas sem  querer desperdiçar a notoriedade, agradeceu e para total espanto da diretoria, foi aplaudido de pé pelos americanos.

Antes que alguém tivesse tempo de dizer algo, Barbosa e Dona Lucinda caminharam em direção ao elevador. Quando a porta se fechou, Barbosa resolveu voltar. Entrou novamente na sala de reunião e repetiu:”-ÓS A ACEUC!”! Deve ser nosso grito de guerra! vamos romper com tudo que foi feito até agora, vamos criar inovar! Vamos virar do avesso e  por para fora o que está dentro de nós. Chega de mais do mesmo. Vamos a luta!”

-“ÓS A ACEUC!”repetiu mais uma vez e saiu da sala.

Os americanos ficaram de pé aplaudindo e disseram para Mr Diskissim : – Era isso que estávamos buscando, um parceiro revolucionário, estamos fechados com vocês”

A repercussão foi grande. Todo mundo ficou sabendo. Tornou-se um case e Barbosa foi promovido, chegaram novas ofertas de emprego, era a glória profissional que ele sempre almejou.

A única que não se convenceu da genialidade do marido foi a Dona Lucinda, que disparou: -Você pode ser revolucionário lá fora.  Aqui dentro não! de hoje em diante nem a cueca você vai poder escolher!”

Conto Coletivo, por : Geraldo Romano, Estela Romano, Simone Romano, Eduardo Schott, Lois Monteiro e Sandra Romano

 

Sorriso

Quem diria, heim? Eu lá no alto, descendo no bloco social daquele prédio gigante de vidro.

O elevador era um cômodo todo prateado, tinha até tv, uma riqueza danada.

Logo eu, que cheguei com uma mão na frente e outra atras, sem um tostão no bolso.

Me lembro como se fosse hoje, que quando saí  de Juazeiro, já na hora de subir no ônibus, mainha me disse:

Filho, sorria sempre viu? sorrir é de graça, é assim como o sol que taí de graça pra aquecer a gente.

Ah, bem que eu estava precisando de calor, naquele prédio gelado. Nasci e me criei na Bahia e foi lá que aprendi a mexer com construção, com parte elétrica.

Lembro que quando eu vim para cá, comecei a fazer uns bicos com o Seu Antônio e hoje tenho um bocado de serviço. Tenho celular, cartão, email, só não tenho “tuite”, por que ainda não entendi para que serve esse troço.

Tava fazendo um serviço em um escitório no 27 andar, quando tive que descer para receber um material na portaria. Como o elevador de serviço estava encrencado, o moço mandou descer pelo social mesmo.

Tomara que não entre ninguém, o povo pode achar ruim, pensei.

Mas não foi que nessa mesma hora o elevador parou?

Nisso entraram três doutô, fineza mesmo, de terno e graveta, e eu, como sempre faço, sorri para eles.

Desde que mainha me falou aquilo, sorrio para todo mundo, até para mim mesmo, quando me vejo nos vidros dos prédios nas avenidas.

Mas os doutô nem me viram, a modo de que estavam escrevendo no celular. Vai ver era coisa importante.

Depois entrou outra moça, com cara de chefona, mas também não viu meu sorriso não.

Me enfiei mais pro canto e fiquei torcendo praquele negócio andar depressa.

Mas aí o elevador parou de novo…

E foi então que entrou a tal moça, e junto com ela, um cheiro de flor.

Não era cheiro de perfume, era cheiro de flor mesmo.

Ela também estava com pasta e celular, só que não estava olhando para baixo igual aos outros.

Nisso ela olhou para mim, assim nos olhos mesmo, e como os outros nem olharam para ela, foi para mim que ela sorriu.

Um sorriso bonito que só vendo, igual criança. Pareceu durar o tempo de uma vida.

Nunca mais que eu esqueço esse sorriso.

Sorri também para ela e foi aí que entendi, quase cinco anos depois, o que mainha disse: Que sorriso é que nem o sol, ele aquece mesmo a gente, só que por dentro.

 

 

 

Zé Girafa

Era magrinho, muito alto, esguio, pescoço grande, andava balançando a cabeça. Os colegas da fábrica logo o apelidaram de Zé Girafa. Sem maldade, foi muito bem escolhido. Trabalhava na manutenção de máquinas e equipamentos. Era um excelente profissional, competente, criativo. Tinha porém um temperamento de cão. Sempre mau humorado, tinha uma resposta para tudo.

Os colegas sabendo disso o gozavam. Quando ele andava pela fábrica:  “Vai Girafa!” e vinha a resposta: “Girafa é …(um palavrão)!”, para  delírio da peãozada. Mas tanto insistiram que ele acabou assumindo o apelido e passou ele próprio a se auto denominar Girafa. Aí acabou a graça, ninguém mais brincava com isso. O mau humor porém continuava. Se estivesse consertando alguma coisa e um auxiliar deixasse cair uma ferramenta no chão, um martelo ou um alicate, lá vinha o Zé Girafa :  ” Ainda bem que você não está trabalhando num barco”.

Quando o engenheiro da fábrica pedia para ele fazer algum serviço, ele começava a reclamar: ” Quando dá certo foi ele quem fez, quando dá errado, foi o Zé Girafa!”. Outra mania sua era discutir ordens:  “Não seria melhor fazer assim?”.  Um dia o engenheiro se irritou e respondeu:  ” Oh Girafa, você está aqui para resolver problemas ou para criar caso?”.   “Para resolver problemas” respondeu indignado. Ficou queimado, com muita raiva. E assim fez o engenheiro pagar a afronta em suaves prestações diárias.

Quebrou a máquina? Lá vinha o Girafa.  “Eu avisei, temos que trocar esta peça, estava por um fio, não aguentou!”.   Quando perguntavam como conseguir outra ele não perdia a oportunidade. ” Se o engenheiro tivesse se lembrado de comprar uma peça de reposição…” envenenava sem piedade.  Aonde podemos comprar? “Não sei, pergunta para o engenheiro!”.  Assim fazia sempre.

A noite quando chegava em casa, quase não conversava. Assistia TV e a mulher reclamava que não falava nada. E ele respondia, sussurrando, que não tinha mais forças depois de tudo que já havia falado na fábrica. Mas quando desligava a TV e pegava o seu cavaquinho, se transformava.

As mãos calejadas conseguiam tirar um som maravilhoso do instrumento. Tocava. Solava. A mulher chegava perto e começava a cantar baixinho. Nesses momentos ele sorria, sonhava. Às vezes seu compadre Mané, seu vizinho, aparecia com o violão e eles faziam uma dupla: Mané e Girafa.  Outras vezes formavam um trio, com a sua mulher cantando.

A mulher adorava vê-lo tocar. Afinal ele a conquistou com uma serenata em sua janela. Compôs até um chorinho para ela. Mais tarde ele guardava o cavaquinho, abraçava e beijava a mulher, feliz da vida, e iam dormir. Quem visse essa cena, não acreditaria que este era o mesmo Girafa mau humorado.

Todo homem tem seu ponto fraco, aquele que em momentos mágicos consegue colocar alegria e felicidade na sua vida.

Autor: Geraldo Romano

 

 

A Balofinha

chapeuzinho

Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinha Balofinha, uma gordinha muito curiosa. Um dia sua avó ficou doente e sua mãe mandou ela ir levar um bolo e um suco de laranja para sua avozinha.

-” Minha filha pelo amor de sua Mainha! Não vá pelo bosque que lá tem um lobo mau. E não belisque o bolo da sua avó!”.

­_ “Mãe, não viaja, lobo mau é história para criança ir dormir!” – respondeu a filha.

Chapeuzinha ficou muito curiosa para saber se existia ou não um lobo mau. E foi pelo bosque.

O lobo caminhava tranquilamente pelo bosque procurando por uma criancinha e ouviu um uma cantoria.

­_ “Vou caminhar pelo bosque enquanto o lobo não vem!”.

­ “Já vi que hoje vou ter jantar!” pensou o lobo.

O lobo, que já tinha visto a Chapeuzinho antes, percebeu que a ela ia para casa da sua avó e saiu correndo, como o Flash que ele via na televisão.

Depois de muito correr, o lobo chegou na casa da avó, bem antes da Chapeuzinho.

Bateu na porta.

_ TOC TOC TOC TOC TOC!

Ninguém respondeu. Ele bateu de novo.

– TOC TOC TOC TOC TOC!

Como ninguém respondeu, entrou e achou um bilhetinho escrito assim: “Minha neta, mano, fui andar de skate com o meu velho, cara, a pista aqui perto é irada”.

O lobo aproveitou a chance para fingir que era a avó. Deitou na cama dela e esperou.

Esperou por horas e horas…

A Chapeuzinho demorou muito para chegar, porque não resistiu e parou no caminho para experimentar um pedacinho do bolo da sua avó. Além de curiosa ela era também muito gulosa.

Depois de muito tempo, a Chapeuzinho entrou.

_ “Nossa! Vó, que narigão é esse?”

_ “É para te sentir melhor!” respondeu o lobo.

_ “E esse orelhão?”

_ “É para te ouvir melhor…”

– “Você tem certeza que é a minha avó?

_ “Claro minha netinha!”

– “Pelo amor de Deus, eu conheço a minha avó! Saia daqui seu lobo trouxa ou eu ligo agora mesmo para a polícia com meu celular!”.

O lobo saiu correndo e nunca mais teve coragem de voltar.

Autora: Nina Aiach