Arquivos mensais: novembro 2015

Caso de polícia

Já era uma rotina.  Quando chegava o final de semana, a família ia para o sítio da avó e lá ficava até domingo. Ar puro, espaço para brincar, piscina. Tudo o que faltava morando num apartamento de cidade grande. Além da mãe e seus dois filhos, o quarto elemento dessa família era Taina, uma cachorrinha poodle, pequena e muito esperta.

A cachorra era danada e tinha o péssimo habito de sair correndo sempre que saiam do elevador. Num destes sábados, ela fugiu e ninguém percebeu. Todos no carro, só com o carro dobrando a esquina a menina perguntou – “Mãe, cadê a Taina?”

Pânico geral. A cachorra não estava no carro. Voltaram correndo e começaram a procurar pelo prédio. Os porteiros se dispuseram a ajudar, penalizados ao ver a menina com lágrimas nos olhos que repetia – “ eu não quero ficar sem a minha cachorra!” . Comissão de busca, todos os lugares do prédio checados e nada. Voltas de carro pelo bairro e o menino, mais prático, sugeriu: “ E se ela foi atropelada? ”. Pronto, agora a menina chorava copiosamente.

A mãe ainda passou nos veterinários do bairro, mas nem sinal da cachorra. Sem saber o que mais poderia fazer, encomendou faixas para espalhar pelo bairro.  Pagou caro para serem colocadas, mas uma taxa extra de desespero certamente foi embutida no calor do momento.

Seguiram para o sítio, a mãe na esperança que lá as crianças se distraíssem. O caminho foi um verdadeiro inferno com a menina chorando o tempo todo. “ Coitada, a Taina deve estar apavorada sem a gente!!”. A mãe sugeriu que se não a encontrassem, podiam comprar um novo cachorro. Foi pior, a menina dizia que nunca mais ia querer um outro cachorro. Já o menino, mais uma vez mais prático, começou a fazer uma lista de possíveis raças e nomes para um futuro cachorro. Enquanto isso a irmã soluçava.

Estar no sítio pouco ajudou. Até o menino, com a melancolia do cair da tarde, pensou a onde a cachorrinha iria passar a noite e também chorou. A esta altura não havia mais nada de prático nele, ele não queria comer, não queria brincar, não queria falar. A mãe se fazia de forte, mas a culpa – a eterna culpa de todas as mães – a mortificava por dentro: “ fui eu quem deixou a cachorra fugir… devia ter colocado o bichinho no carro e só depois me preocupado com as malas…”.

Noite péssima e mais choro na cama, aberto das crianças, furtivo da mãe. Dia seguinte de sol, mas ninguém se animava a sair de casa. A mãe recebe um telefonema. Era a avó. “Ligaram da sua portaria, acharam a Taina!”. Gritos, pulos, abraços! Deus é bom!

Voltaram correndo para casa. A cachorrinha, alegre, correu para as crianças. Porteiro gratificado, todos felizes. Vem a pergunta inevitável: “ achou aonde? ”. E o porteiro: “- na casa do chinês, aqui, vizinho de muro! Eu ouvia a cachorrinha latir, latir, e pensava, eu conheço este latido. É que dá para ouvir, né? Vocês moram no 6º andar e o latidinho dela eu já conheço faz tempo…”.

Intrigado com o sumiço da cachorra e os latidos do outro lado do muro, o Sr Américo, nosso porteiro, foi lá tocar a campainha. O chinês pai abriu a porta, e deu para ele ver, lá dentro a cachorrinha, agora já vestida com nova coleira e guia – chinesas naturalmente. O chinesinho filho, de uns 3 anos de idade, levando a cachorra de um lado para outro. Ele reclamou: “ Ei, essa cachorra é do meu prédio!”. O chinês se fazia de desentendido, balançava a cabeça negativamente num misto de não estou entendendo com essa cachorra não é sua.

O Sr Américo foi ficando nervoso, gesticulava, apontava para a cachorrinha. O chinês finalmente respondeu – “ Cachola, do meu filho!”. Falou assim, cachola, porque os chineses não conseguem pronunciar o nosso erre. O porteiro voltou para o prédio com muita raiva do chinês. Não ficou nem cinco minutos na portaria. Não aguentou, era muita cara de pau. Voltou. Tocou a campanhia de novo e falou: “ eu vim buscar a cachorra, e se o senhor não devolver agora, já, neste minuto, eu vou chamar a polícia. Polícia, polícia!”. O chinês virou uma estátua. Depois de alguns segundos, virou as costas, entrou e voltou com a cachorrinha na mão. Não disse uma palavra. O Sr Américo não coube em si de felicidade, sim tinha sido, em alguma proporção, um herói.

A mãe e o porteiro nunca esqueceram esta história, que no fim, foi até divertida. Uma vez a mãe cruzou com o chinês na calçada e não aguentou: “ Aqui quem louba cacholo vai pleso, sabia?”

Os meninos cresceram, tiveram mais uma irmã, a menina casou-se, o menino virou rapaz e foi morar com o pai. A Taina, sempre aprontando muito, se foi de velhice.

E assim é, a vida passa, mas as nossas histórias de amor e de afeto, essas sempre ficam.

Silvia