Arquivo da tag: #contocoletivo

cueca

Todo dia era sempre igual. Na hora que ele saia do banho, sua mulher já tinha separado toda sua roupa. Toda não.  A cueca ele podia escolher.  Calça, camisa, gravata, paletó, meia, sapato, blusa de lã era tudo por conta dela. Ele reclamava e a mulher dizia: – Você não sabe combinar nada, veste a primeira coisa que aparece na  sua frente! Afinal era verdade. Ele seria capaz de colocar uma camisa vermelha, com uma calça verde e uma paletó laranja. Reclamar não adiantava. Um dia, após permanecer algum tempo olhando fixamente no espelho, Barbosa saiu do banho, vestiu toda a roupa que sua mulher tinha separado, só que tudo do avesso. Saiu de casa sem que sua mulher o visse. Ela ainda perguntou: – Vestiu a roupa que eu separei? – “É claro meu amor!”

Quando chegou ao prédio onde trabalhava, Barbosa entrou no elevador com o paletó e a calça do avesso. Duas adolescentes que estavam no elevador se entreolharam e cairam na risada. Uma perua que também estava lá pensou: “que exibido, só porque usa roupas de grife, quer mostrar as etiquetas”

Ao adentrar em seu escitório, os colegas não disseram nem uma palavra….silêncio total! Nem um olhar entre os secretários… todos de cabeça baixa ,é claro!! Afinal, o chefe tem sempre razão.

Mas.. ao entrar em seu território particular, onde o que acontece não se deve comentar, sua secretária, que também subira na vida com o chefe, olhando para ele, não riu, apenas disse: -Nunca vi coisa mais ridícula na vida, desvira logo essa m….a!

Não dava mais. Ele já estava na frente da sala de reunião e através da porta de vidro toda a diretoria e o grupo americano olhavam fixos para ele. Nesses anos todos de empresa aprendera a ser um sujeito equilibrado, sensato em suas decisões. N a dúvida, nunca arriscava. As vezes, após longas e cansativas reuniões se lembrava do jovem revolucionário, boêmio e inconsequente que fora um dia… -“bons tempos aqueles”pensava resignado.

A verdade é que o tempo passou voando e que desde as prestações do carro e gravidez da Dona Lucinda ele teve que se enquadrar, e daí por diante se enquadrar e se enquadrar cada vez mais.

Quando Barbosa entrou  na reunião com o terno do avesso, pode ler os lábios mudos do presidente:-“Que P….a  é essa?”

Não se abalou. Entrou na sala, saudou a todos com tranquilidade e entusiasmo. Sentou-se na cabeceira da mesa, mas a sua postura estava diferente, com o peito mais para frente, a coluna mais ereta, a gravata do avesso saltava aos olhos. os presentes acharam melhor não comentar. Então começou a reunião.

Após algumas discussões preliminares, Barbosa ficou de pé e olhou para cada um dos participantes demoradamente. De repente gritou a plenos pulmões:

-“ÓS A ACEUC!”! ( Só as cuecas ao contrário)

E pensou: -“Que se f….a, chega de ser uma pau mandado!” “O jovem revolucionário inconsequente ainda vive aqui nesse peito”, pensou.

– “ÓS A ACEUC!!” Bradou de novo.

A gravata, em seu avesso desconcertante, deu uma leve tremida. Silêncio na sala. Alguns executivos da comissão americana, nem se abalaram achando tratar-se de um dialeto “afrodescendente-whatever”. Só estranharam o tom altíssimo e as roupas do avesso de Mr Barbôsa, Justo ele, tão certinho, sempre com suas ropas ton sur ton. -“Quem sabe no Brasil o casual Friday é mais radical”, pensaram.

Em compensação, Dr Afonsim Diskisim, presidente da empresa e eterno algoz de Barbosa, espumava de ódio. A azia que o leite de soja lhe causava de manhã piorava com fatores emocionais, e ele estava a ponto de explodir. Repetiu, agora para si mesmo: – “mas que porra é essa afinal?”Chega de palhaçada!

Resolveu levantar e liderar a reunião. Sempre dando uma olhadela para um Barbosa calmíssimo, foi falando do Brasil, do potencial, das oportunidades, da copa do mundo, etc

Passado um tempo, sentiu que não tinha conhecimento suficiente a respeito do assunto e vendo Barbosa calmo e quieto, resolveu passar-lhe a palavra. Arriscou.

Barbosa levantou-se e depois de olhar algum tempo para o zíper da sua calça, olhou os chefões dos gringos bem nos olhos e gritou:

-“ÓS A ACEUC”. Atônito o presidente mandou chamar os seguranças.

Foi quando, como se o circo já não estivesse armado, surge Dona Lucinda, que em alto e bom tom, como quem apresenta um espetáculo, diz: – “Obrigada, muito obrigada a todos, espero que tenham apreciado o show!”

Diante de olhares surpresos, Barbosa pareceu cair em si, mas sem  querer desperdiçar a notoriedade, agradeceu e para total espanto da diretoria, foi aplaudido de pé pelos americanos.

Antes que alguém tivesse tempo de dizer algo, Barbosa e Dona Lucinda caminharam em direção ao elevador. Quando a porta se fechou, Barbosa resolveu voltar. Entrou novamente na sala de reunião e repetiu:”-ÓS A ACEUC!”! Deve ser nosso grito de guerra! vamos romper com tudo que foi feito até agora, vamos criar inovar! Vamos virar do avesso e  por para fora o que está dentro de nós. Chega de mais do mesmo. Vamos a luta!”

-“ÓS A ACEUC!”repetiu mais uma vez e saiu da sala.

Os americanos ficaram de pé aplaudindo e disseram para Mr Diskissim : – Era isso que estávamos buscando, um parceiro revolucionário, estamos fechados com vocês”

A repercussão foi grande. Todo mundo ficou sabendo. Tornou-se um case e Barbosa foi promovido, chegaram novas ofertas de emprego, era a glória profissional que ele sempre almejou.

A única que não se convenceu da genialidade do marido foi a Dona Lucinda, que disparou: -Você pode ser revolucionário lá fora.  Aqui dentro não! de hoje em diante nem a cueca você vai poder escolher!”

Conto Coletivo, por : Geraldo Romano, Estela Romano, Simone Romano, Eduardo Schott, Lois Monteiro e Sandra Romano