Arquivos diários: 22 de abril de 2024

O Menino da Porteira

Tudo começou com a maravilhosa composição de Teddy Vieira e Luiz Raimundo, depois eternizada pelo cantor Sérgio Reis, do “ Menino da Porteira. “

 

Confesso que minha avó, Dona Feliciana era a única parteira da cidadezinha onde eu morava de nome “ Bela Estrada” em Minas.

 

Não havia ninguém, que tivesse nascido lá, que não fosse pelas mãos de Dona Feliciana. Havia aprendido com sua mãe dona Sebastiana, desde pequena a ser parteira, como sua mãe.

 

Magrinha, de mãos delicadas e olhar profundo, nada escapava de sua visão.

 

Era adorada no lugar. Todos os dias me levava a escola no pré-primário e depois no primário.

 

Todos diziam: “ Lá vai o menino da parteira”, de gozação, claro.

 

Quando eu aprontava alguma na escola, não fazia a lição, ou participasse de uma bagunça na classe, quem era chamada? A vó Feliciana.

 

Na cidade, ninguém me chamava por João Caetano, que é o meu nome, mas por                “menino da parteira. “

 

Quando comecei, o secundário já ia sozinho para escola, mas no caminho todos ainda insistiam: Lá vai o “menino da parteira” e davam risada.

 

Foi assim até que eu comecei o colegial. Quando enfim terminei, ficou uma grande dúvida na minha cabeça. “ Que carreira vou seguir? “ Aliás como acontece com quase todos os jovens.

 

Uma noite sonhei com vó Feliciana que ainda era viva, só que em outra dimensão. No sonho ela me dizia para ser médico. Virar parteiro e manter a tradição da família.

 

Aquilo ficou na minha cabeça. Médico? Logo eu? Prefiro ser jogador de futebol.

 

O tempo foi passando e o sonho martelando minha cabeça. Um dia apareceram lá em casa, Três meninas gêmeas, adolescentes, que tinham vindo ao mundo, pelas mãos de vó Feliciana, pensei é mais um aviso.

 

Gostei de uma delas, a mais sorridente e rolou um namorico.

 

Comecei a pensar como seria bom, viver em Belo Horizonte. Poderia ir à cinemas, lanchonetes, quem sabe conhecer alguém, ir a baladas, festas.  Mas antes teria que estudar. Pensei, “ agora chegou a hora. Tenho que decidir, jogador de futebol já vi que não daria.

 

Pensei “ será que estou preparado para enfrentar um vestibular? “

Me lembrei que lá na minha terra, eu tinha feito um bom curso. Graças a minha vó Feliciana, as professoras sempre tiveram por mim, um carinho todo especial, um atendimento diferenciado.

 

No dia de escolher o curso, passei uma noite agitada. Quase não conseguir dormir. Levantei durante a madrugada liguei a TV, e aí aconteceu uma coisa surpreendente: apareceu o Sérgio Reis cantando o “ menino da porteira. ”

 

Pronto, recebi o recado, no dia seguinte me escrevi para o curso de medicina.

 

Prestei vestibular e entrei agradecida a Deus pelas professoras que tive.

 

O curso não foi fácil. Exigiu muito trabalho, empenho, sacrifícios.

 

Formado, comecei a trabalhar em Belo Horizonte. Residência e ambulatório.

 

Depois de um ano, senti vontade de fazer uma visita à minha terra.

 

Lá chegando, fui recebido com carinho que só as pessoas das pequenas Cidades costumam dar. Vieram pessoas que minha avó ajudou a nascer, antigas professoras, amigos de infância. Foi aí que eu pensei: meu lugar é aqui.

 

Larguei meu trabalho em Belo Horizonte e vim transferido para o posto de saúde daqui, onde faço tudo, inclusive parto. Voltei a ser o “ menino da parteira”.

 

Continuo apaixonado por uma das gêmeas. Acho que até o fim do ano, vamos casar.

 

E aí começar tudo de novo.

Problemas

Todos nós temos problemas, e os meus, começaram cedo.

Não bastasse meus irmãos pegando meus brinquedos e minha mãe me obrigando a comer verdura, chegava na escola e a professora ditava: “ PROBLEMA”. X e Y para decifrar, equacionar e resolver.

 

“ No fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria que nossos problemas fossem resolvidos por decreto” disse Leminsky.

 

Só que não é assim. O X e Y, nunca mais saem da nossa vida, só varia o contexto, e surgem outros caras também em questões mais complexas: Tipo o Z, o W, a tangente, a raiz quadrada…

 

Noel Rosa disse: “ Já fui convidado para ser artista do nosso cinema, ser artista é bem fácil, sair do Estácio é o que é o X do problema.

 

O “ X”. Sempre ele.

 

Os problemas são sempre diversos, e variam de pessoas para pessoa.

Problema de alguns é emagrecer, de outros é engordar.

 

Para o adolescente, o problema são os pais, “ eles não me compreendem”, é o problema dos pais, é o adolescente. (Haja paciência)

 

Ser filho único é um problema, mas ter irmãos muitas vezes também é.

Uns tem problemas por ter muito dinheiro, ou autoconfiança, ou empatia, e outros tem problemas justamente pela falta de algum destes intens.

 

E um problema puxa o outro; e citando novamente Leminky: “ Problemas não se resolvem, problemas tem família grande, e aos domingos, saem todos para passear: sua senhora e seus probleminhas. ”

 

 

A verdade é que os problemas sempre vão existir e temos que enfrentá-los. Como bem disse Lennon: “ Não foque nos problemas, foque nas soluções. ”

Conheci um engenheiro que quando chegava na obra, e o encarregado dizia: “ Doutor estamos com um problema” e ele respondia: No dia que não tivermos problemas, você como encarregado e eu como engenheiro, perdemos o emprego.

 

Achar soluções, ponderar e seguir em frente, sabendo que é sempre uma tentativa e que no meio do caminho, novos problemas podem surgir, e exigir novas soluções.

 

Felizmente, alguns (poucos) problemas se resolvem sozinhos, com uma mãozinha do Universo e do tempo, que cura também alguns; e tem também aqueles que não tem solução, e por isso mesmo, já vem resolvidos. “ O que não tem remédio, remediado está, ” diz o dito popular.

 

Problemas também podem ser reais ou imaginários.

Conheci uma menina que chorava muito pela morte de seu gatinho. Quando perguntei sobre ele, me contou que ainda não tinha nem ganhado o gatinho, mas que sabia que o gatinho um dia ia morrer, então ela já estava se preparando. Sofria por um problema imaginário, uma projeção de um problema que talvez nem viesse a acontecer. Foi uma lição para mim.

 

Para os mais sábios como cabalistas, problemas são dádivas. São oportunidade que nos fazem desenvolver a inteligência, a colaboração, a força, a paciência, resiliência e tantas outras virtudes que não desenvolveríamos se estivesse sempre tudo cor de rosa.

 

Eu sou de natureza preocupada. Sempre perdi o sono por causa dos problemas que me parecem tragicamente gigantes a noite.

 

Uma fábula me ajudou a criar o hábito de tocar na árvore da minha caçada todo dia quando chego do trabalho, uma pitangueira. Deixo ali os meus problemas e somente os pegos de volta na manhã seguinte. Entro em casa leve. No dia seguinte, vou pegá-los e percebo que não eram assim tão grandes como eu pensava, e alguns outros, os imaginários, desapareceram.

 

Esse hiato é importante. Como disse Anderson o pensador, é preciso “esquecer os problemas do mundo e viajar para um lugar na minha mente, sem empecilhos de ser feliz. ”

 

Eu tento. Todo santo dia. Muitas vezes, na hora de dormir, os problemas dão as caras. Aí eu paro, respiro, e mando todo mundo de volta para árvore.