Em todo lugar que ele ia levava o livro. Não era um livro qualquer era aquele, sempre o mesmo. Na sala de espera do médico lá estava ele lendo o livro. No avião nas viagens curtas e longas, sempre o livro presente.
Nas férias, podia esquecer a mulher em casa, mas não esquecia o livro.
Era um livro diferente.
A começar pelo autor: Giovanni Takaoka Smith Von Bratner Martines da Silva. A gente pensava: – será italiano, ou japonês, americano ou alemão? Mas tem também o Martines… deve ser espanhol… e o da Silva? Deve ser português!
O mistério aumentava quando se lia o nome do livro: OH OH? Mas que pode significar OH?
Ele não mostrava o livro para ninguém. Quando alguém perguntava sobre o livro dizia: — eu acho que hoje vai chover. Quando insistiam muito, ele falava: — versa sobre as taipas do furor sarilho.
Guardava o livro numa capa de veludo, ficava na sua cabeceira.
Um dia o livro sumiu. Gritou com sua mulher aonde estava o livro. A mulher respondeu – coloquei na prateleira, junto com os outros livros.
— Como assim? Meu livro junto com outros livros? Não sabe o que ele significa para mim? Ficou sem falar com a mulher o resto do dia.
Para que ninguém se atrevesse abrir o livro, colocou um filme de plástico, igual ao que se usa para alimentos.
Quando ia ler o livro tirava o plástico. Quando terminava, outro plástico. Esta postura, logo despertou a curiosidade de todos. Dizia sua mulher: — Deve ser seu diário, onde ele anotou tudo que aprontou na vida.
Sua filha mais velha tinha outra versão: — são poesias que escreveu para suas namoradas, e o nome do autor, foi um pseudônimo – que ele criou. Seu genro, achava que ele devia ser um nobre e que o livro seria a estória de sua família, que ele jamais conhecera, pois sua mãe, desobedecendo a família, se casara com um pé de chinelo sem eira nem beira e isso o deixava muito mal, e pensava: — sou meio nobre e meio nadica de nada, mas não queria que ninguém soubesse que ele era o que era. Por isso o mistério!
No trabalho não era diferente. Todo dia ele levava o livro, punha em cima de sua mesa. A secretária dizia: — deve ser um livro de auto ajuda de onde ele tira aquelas regrinhas que ele fala todo dia.
Um dia na casa dele rolou uma vasta feijoada. O primo do Rio veio. A tia Lili trouxe os dois filhos, e suas namoradas, claro, o Afonso, interesseiro, nunca telefonava para saber se estavam bem, soube da feijoada, e veio. A filha por sua vez convidou duas amigas da faculdade, e é claro os namorados.
Enfim, a casa estava cheia, de cara rolou uma batida de côco, que estava uma delícia. Antes da feijoada propriamente dita, serviram uns torresminhos, umas batatinhas fritas. Todo mundo foi então para o canto das caipirinhas. Tinha de tudo: de limão, de frutas vermelhas, lima da pérsia e de tangerina, esta não sei porque, foi a predileta. O anfitrião, dono do livro, experimentou todas. Quando a feijoada finalmente foi servida aconteceu o inevitável, ele deitou no sofá e apagou. Dormia tão profundamente que nem ouviu a tia Carminha cantar (sorte dele). Nem tomou conhecimento quando o baile começou com música altíssima, que se ouvia da rua.
Foi então que alguém sugeriu: — vamos ver de que se trata o livro? Animados, descontraídos pelo álcool resolveram desvendar o mistério, apesar dos protestos de sua mulher. Tiraram a capa de veludo, o plástico de proteção e abriram o livro. Para surpresa geral, era a Bíblia, com algumas frases sublinhadas: “amai-vos uns aos outros, como eu os amei”. “Não julgueis para não seres julgados”, “o reino de Deus…
Colocaram o livro de volta direitinho no lugar onde estava.
Desse dia em diante, ele passou a ser mais respeitado e admirado.