A curiosidade que me inquietava vinha de uma palavra: – milagreira.
Quem despertou em mim essa fissura foi uma senhora que fazia faxina na casa de uma vizinha.
Ela se dizia milagreira!
De tanta curiosidade acabei indo conhecer a cidade de D. Nenê a tal milagreira, pois queria conhecer sua estória.
Chegando lá, a surpresa, a cidade de D. Nenê a milagreira chamava-se Milagres! Na vila pequena e singela todos eram milagreiros.
Milagres, tinha uma praça e algumas ruas. Sua vida, nada cosmopolita ou glamourosa, acontecia ali mesmo na praça. Lá uns bancos para sentar-se e ver a vida passar e umas pequenas mesas feitas prá se jogar dama, onde no final da tarde jogava-se altos torneios de truco. Suas árvores eram frondosas e naquele dia os canteiros estavam multicoloridos e perfumados, com pequenas flores da primavera.
Na praça, o principal monumento e orgulho da população: – A Igreja de Nossa Senhora dos Milagres. Branquinha com detalhes em azul, toda bem cuidada, ela dominava a praça.
Ali ao lado a farmácia, aberta e sem ninguém. Perguntei a alguém que me explicou que se eu tivesse precisão era só tocar a campainha que seu Gerônimo vinha atender. Ficava em casa lendo. Que lugar intrigante Milagres.
Um açougue, algumas lojinhas. Uma portinha onde se lia: – barbeiro – home e muié. Mais algumas lojinhas e outra cuja placa que dizia, Magazine de luxo: – roupa de batismo, casamento, primeira comunhão e enterro! Enfim para todas as ocasiões e todos da família.
Rivalizando em importância havia na praça a venda da Dona Cidinha e seu Nestor, os mais ricos do povoado, não da região, pois o povo da vila trabalhava nas fazendas da redondeza onde lá sim moravam os ricos.
Entusiasmados diziam: “Oia dona nois aqui no estabelecimento, nois tem de um tudo! Cereais para gente e bicho”
Bicho?
“É mio verde para gente e mio para porco -cavalo – galinha etc…
Nois tem arguma lata de sardinha, mas o povo aprefere o peixe pescado no rio.
Nois tem argum materiar de construção, areia, cemento, barde, pincer pros pintor e nois tem muntas cor de tinta.
Sabe dona nois vende pão e todos daqui compra nosso pão. Somo nois mesmo que faiz.”
Perguntei, e o povo paga direitinho?
“ Sabe dona, aqui nois tem cardeneta.”
“Eu, não tenho estudo, mais nosso fio Ronaldo Robinho ele fais as conta tudo direitinho, porque ele tem estudo, mas nois não tem pobrema porque o povo milagreiro paga direito tudinho no fim do meis, quando os fazendeiro paga eles”
E o combustível, perguntei?
“ O posto de gasolina fica na rodovia e quando nois precisa o seu Geronimo da farmácia busca, mas nois quasi num precisa mó de que tudo nois, usa mesmo é a bicicreta”.
Bem, me parece que a Senhora já está cansada de tanta pergunta.
Só mais uma pergunta D. Cida.
“Cida não, é só Cidinha que está nos ducumento”
E a escola? Os estudos? “Bom moça, tem a dona Conceição que é bem veia e foi prefessora na cidade grande. Ela é milagreira também e foi ela que ensinou nois tudo a lê e assinar o nome e também ensina os mininu. Mas quando eles tem que i pro grupo a pirua de Paixão vem buscar.”
É mesmo? Que legal. E como o povo de lá se chama?
“ Ah dona craro né, eles se chama paixonados”.
Fui até Paixão! Sua capela branca e azul, na praça da cidade era dedicada a Nossa Senhora da Paixão.
Que douçura, um povo tão puro e simples!
Ninguém faz milagres e não são apaixonados, mas honestos, direitos, gente simples e muito, muito mais felizes que eu, metropolitana, esnobe, insatisfeita e consumista.
Ah! Como gostaria de ser uma milagreira apoixonada!
Muito lindo este conto ,mostra que nós não precisamos de muito para sermos felizes.Amei.