
Por Simone Romano
Esta frase de Fernando Pessoa sempre me impactou muito, desde cedo , ainda na escola.
Quando menina, achava graça :
navegar é preciso ,viver não é preciso !!!só mesmo se a gente fosse um barco, não gente..!..
Passados vinte anos, ainda não sei bem o que Pessoa quis dizer com esta frase, sei apenas que o significado dela ainda me inquieta
Vida e navegação, de inicio, me pareciam o mesmo.
E a vida não é mesmo um eterno navegar?
Há aquilo que está debaixo do controle do navegador : o leme, as cordas,a direção, a rota , o porto pretendido.
Mas há algo no navegar que não controlamos: o mau tempo, o bom tempo, a correnteza, a calmaria, obstáculos geográficos intransponíveis…
Há tempos em que o melhor a fazer é entregar-se às mares, ao imponderável . Ah, como pode ser surpreendente soltar as amarras, abandonar-se , entregar, confiar , e quantas surpresas reserva mesmo a sorte…!
Em minhas patéticas navegações, percebo que mais vale a direção que o destino pretendido.
Não importa muito o porto de destino, (sempre tão provisório.), importa é a direção que estamos escolhendo nesta grande viagem, o que estamos buscando, e a serviço
do que estamos navegando……
De volta à Pessoa, ouvi uma interpretação que me ajudou na minhas indagações internas ( e eternas) de que o viver é inerente a nós, nos foi dado, e um dia será tirado,cabendo a nós somente navegar…
Navegar, escrever (e reescrever) a carta de navegação, recheando deliciosamente o diário de nossa viagem-vida até o último dia, nunca deixando de nos encantar com ela.
Outra coisa que aprendemos à medida do tempo( afinal envelhecer deve ter alguma vantagem! ) é navegar com pouca bagagem, livrar-se daquilo que não precisamos mais, de idéias que nem são nossas,dos tantos apegos, das mágoas velhas, livrar-se, simples assim…
Carregar somente o essencial , reservando algum espaço para entrar o novo.
Mas o diário de bordo …. ?!!
Este há de ser imenso, pesado, se possível várias edições , fascículos, emendas, fotografias, casos,amores, recortes, rabiscos, delícias, abraços,poemas, canções..
Certas lembranças são bagagens eternas, aquela pessoa que a gente tanto amou (por que foi mesmo que a gente se separou?), aquela conversa à noite na praia, aquela
pessoa que você viu de passagem e te sorriu , aquela que você de repente perdoou, aquela chuva, sua grande amiga,parceira na vida, como esquecer aqueles olhos cálidos? aquele abraço , a sensação de estar sob uma onda que quebra, o riso incontrolável, o silêncio que disse tudo, a luta, o sorriso da suas crianças …
Recentemente , li um artigo sobre a história de Portugal e sua notória busca colonialista através dos mares.
Por muitos anos, milhares de homens foram embuídos à grande missão de conquistar terras, enfrentando o mar ainda não decifrado, sem saber ao certo se iam voltar, deixavam suas famílias e partiam a serviço à um propósito maior: a pátria.
Quantos e quantos sabiam que poderiam não voltar , mas o
que importava? Navegar era preciso, viver? não era tão preciso…
Penso nestes homens, penso em Deus, e aí , penso em mim mesma , em meu barquinho querendo agora navegar outros ventos, com alegria e excelência, ciente da efemeridade de todas as coisas.
Navegar à serviço do propósito maior da minha existência , por todas as rotas e destinos, que me forem necessários, sabendo que o destino último só será alcançado,
se assim estiver escrito, com a libertação da própria vida.