Sempre gostei de ajudar minhas amigas. Digo ajudar romanticamente. É muito divertido juntar casais, dá um certo poder se sentir intercalando vidas, decidindo destinos. É como escrever um roteiro, e depois observar de longe o desenrolar da história que se desenvolve sozinha. O fim fica em aberto, com mil possibilidades de desfecho. Tem coisa melhor?
Confesso que as vezes passei dos limites, manipulando situações, criando estratégias como se o amor fosse apenas um jogo, e eu, uma treinadora minuciosa, que estuda e arma a sedução certeira para a vítima em questão. O pior é que geralmente dava certo.
Certa vez, fui na casa de uma amiga e conheci o seu irmão. Era um sujeito interessante, que descobri estar disponível. Já fui logo pensando nas solteiras que eu conhecia e que seriam compatíveis. Fiz da sua irmã uma aliada. Como não gostava da ex-namorada dele, logo se prontificou a me ajudar a providenciar uma nova cunhada mais aprazível.
Escolhemos a pretendente pelo aspecto físico. Não tínhamos muita opção, dado que o rapaz era muito exigente. Ele sempre se interessava pelo mesmo biotipo. Tinha que ser alta, morena, magra, e o que era mais difícil, cabelos longos e lisos (naquela época não existia escova progressiva). Por eliminação chegamos na Fernanda. Ele era Fernando, o que interpretamos com um sinal, um bom agouro, afinal coincidências não existem.
Descobrir o máximo possível sobre a vítima é sempre fundamental. Assim a irmã me passou um verdadeiro dossiê sobre ele, seus gostos e preferências em todos os aspectos da vida. Tudo o que mais prezava e tudo o que não suportava.
Instruímos muito bem a Fernanda. O rapaz adorava natureza, férias para ele era sempre no campo. Cresceu na fazenda da família e nunca gostou de praia. Não gostava de assistir TV mas era um cinéfilo inveterado. Conhecia todos os cinemas da cidade e quando viajava, não ia a museus, ia assistir filmes estrangeiros que nunca chegariam no Brasil. Era ateu e zombava da ideia de um Deus que a todos julgava e que lhe parecia severo demais. Acordava cedo para correr, atividade que era a sua verdadeira religião.
Armamos um encontro na casa da minha amiga. Fingimos ser íntimas, três amigas de longa data. Ele sem saber de nada, naturalmente. Durante o jantar, lançávamos a perguntas certas, dando as “deixas” para a Fernanda poder discorrer sobre seus gostos, que na verdade eram opostos aos dele. Adorava praia e não perdia um só dia a sua novela. Tinha alergia à insetos e pavor de cavalo. Ia a missa quase todas as semanas com a sua avó. Rezava toda noite, tinha um time completo de santinhos na cabeceira da sua cama. Fazia balé, mas faltava bastante, era preguiçosa. Adorava acordar tarde nos finais de semana.
No decorrer do jantar me surpreendi com a performance da Fernanda, digna de uma verdadeira atriz. Era nítido que rapaz foi ficando intrigado (e encantado), afinal a amiga da sua irmã era a materialização perfeita dos seus sonhos. Ela nos contou como amava cachoeiras, que ficar no meio do mato era seu maior prazer. Que isto para ela era o verdadeiro céu, já que não acreditava que haveria vida após a morte. Céu, se houvesse, seria uma floresta com cheiro de terra molhada (desse cheiro ela realmente gostava).
O ápice do nosso roteiro foi depois da sobremesa. Conforme combinado, chamamos: “ Fernanda, está quase na hora da novela, vamos ver?”. E ela, deu o último tiro, certeiro: “ Esqueceram que detesto assistir TV? Que tal irmos a um cinema?”. Declinamos. Ele rapidamente a convidou, já praticamente apaixonado.
Namoraram por quase um ano. Terminaram antes das férias.
Não foram infelizes para sempre.