CASAIS

 

CASAL I

 

Ela era uma adolescente diferente, fora dos padrões. Passava quase todo o seu tempo livre lendo, escrevendo, decifrando os significados de poemas.

Diferentemente de suas colegas, ela gostava da quietude. Mas daquele tipo de quietude boa, que fala dentro da gente.

Os pais preocupavam-se:

“Essa menina tem que sair da concha!”.

Mas enganavam-se. Ela nadava há tempos no mar aberto das letras.

Na escola, durante a aula de literatura ela recebeu a tarefa de escrever em dupla, um pequeno livreto de poesia.

Se animou toda, afinal era  craque no assunto! Porém  quando soube qual seria a sua dupla, a animação virou tédio: o clichê “bonitão – popular sem cérebro” iria trabalhar com ela.

E o pior: aos sábados

  • “Ninguém merece”! Pensou ela. “Vou ter que fazer tudo sozinha, claro . E ainda aguentar esse cara que provavelmente nem um gibi leu na vida”.

Eles nunca haviam trocado uma palavra na escola antes.

Chegou o sábado, e ele  tocou a campainha. Ela abriu e sorriu assim sem graça, estranhando o fato dele  carregar alguns livros de poesia em baixo  do braço.

Sentaram-se e começaram a planejar o trabalho. Ele estava meio calado, ainda mantinha  máscara social do “bonitão-popular”. Aos poucos, porém foi se soltando e revelou-se um garoto sensível  e inteligente. Para a  surpresa dela, ele entendia sim de poesia.

E tinham  como preferido, os dois , o poeta Paulo Leminsky. Coincidência que os animou a usar poesia  concreta para elaborar o livreto.

Nos quatro encontros que se seguiram, o relacionamento deles começou a se aprofundar em amizade, poesia, a um passo para o amor.

Ela, que antes nunca havia  visto nenhuma beleza no bonitão estava encantada.

Ele, que nunca havia reparado nela, estava apaixonado pela primeira vez. Só pensava nessa menina tão diferente das outras, mas tão igual à ele. Mas adolescente que era, a menina ficou com medo desse amor. Ele era lindo, assediado desde sempre.

Vivia rodeado de amigos, e amigas. E ela era de outro   “mundo”. Sabia com que olhos os amigos dele a viam: a estranha, a nerd, a rata de biblioteca.

Claro, ela tinha medo de sofrer por amor, como nas poesias.

Ele, logo percebeu a insegurança dela. Mandou-lhe uma mensagem pelo celular:

 

“ COM OUTROS OLHOS

OU COM

OS OLHOS DOS OUTROS?”

Leminsky.

 

E ela então lhe respondeu:

“DO AMOR

CONHEÇO OS SINTOMAS

E OS HEMATOMAS”

 

Ele riu. Era só um medo bobo dela.

Devolveu:

“ O DESTINO QUIS QUE A GENTE

SE ACHASSE

NA MESMA ESTROFE

E NA MESMA CLASSE

NO MESMO VERSO

E NA MESMA FRASE”

Leminsky

 

Ela leu. E sorriu.

Ah, a poesia!

 

 

 

CASAL II

 

O casal entrou no avião com destino a Miami. Eram belíssimos. Ela, loira, alta, bronzeada. Ele atlético, bem vestido, olhos verdes.

Os passageiros não tiravam os olhos deles, inclusive eu.

Reparei que discutiam baixinho com a aeromoça. Algo estava errado.

O problema era que tinham caído em poltronas separadas. Confidenciaram: estamos em lua  de mel.

Prontamente cedi meu lugar  para que  os pombinhos pudessem  ficar juntos.

Sentei ao lado deles, separado pelo corredor e fiquei espiando seus movimentos.

Percebi que desde que embarcaram não haviam trocado nenhuma palavra. Nem um monossílabo sequer.

A aeromoça chegou com duas  taças de champanhe, como cortesia.

Começou então uma sensação interminável de selfis. Taças  cruzadas, descruzadas, sorrindo, sérios, com selinho, com beicinhos, enfim, todo repertório de poses.

Mas não conversaram, apesar  de  que percebia-se que não estavam brigados.

Estranhei esse comportamento vindo de uma casal em lua de mel. Esperaria empolgação, carinhos, troca de ideias sobre como foi o casamento.

Mas eles continuavam mudos.

Ao terminarem as fatos, ele  se recostou, pôs os fones de ouvido  e mergulhou nos filmes.

Ela, ficou horas editando as fotos a serem postadas.

Afinal tinham que compartilhar com o mundo a sua mutua felicidade.

 

 

 

 

CASAL III

 

Aquele casal de velhinhos chineses parecia perdido num mar de ruídos de crianças.

Eram baixinhos e usavam aquelas roupinhas orientais, abotoada até o pescoço. Ela, levava uma sacola com um pequeno guarda-chuva colorido.

Esperavam o trem que os levaria do estacionamento da Disney até a porta do Parque.

Quando o trem chegou, as crianças avançaram e somente sobrou para eles, lugares separados por uma fileira.

Esse casalzinho ficou desesperado. Parecia que não haviam se separado nunca na vida.

Quando o trem começou a andar, eles esticaram os bracinhos, e procuraram as mãos.

E para comoção geral foram o tempo todo de mãos dadas, aquelas mãozinhas pequenas e enrugadas dos velhinhos até chegarem no destino final.

 

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