O REENCONTRO

Toda segunda feira é a mesma coisa. Clico na caixa de entrada e vejo despencar, em efeito dominó, um monte de letrinhas agrupadas com os mais diversos  assuntos.

No meio deles, em caixa alta, vejo lá:

REENCONTRO DOS FORMANDOS DE  1990

Em seguida, outro titulo:

FRAAN, vamonessa!

Só podia ser da Ritinha, minha amiga querida (e única)da classe da faculdade.

– Vambora, Fran, vai ser tudo! No mínimo agente toma um vinho, vê como está o pessoal e dá boas risadas! Não aceito não como resposta. Vai ser só dia 16. Passo para te pegar ás dez e depois te deixo em casa. Damos só uma passadinha…!

-Ah Ritinha, não sei não, se eu já era peixe fora d agua naquela época, que dirá 20 anos depois…Aquela galera da psicologia nunca me aceitou. Diziam que eu era grãnfininha , patricinha,acho que implicavam comigo só porque  eu  não usava chinelo de couro e sempre cortava as unhas dos pés ! Não fosse você, Ritinha, eu tava frita.Não, não to fora. Só faltava essa ! Ter que  me desarrumar toda para ir a uma festa bicho-grilo. O que vai ter lah, batida de tofu?

– Te pego as 10. Beeeeeeijo.

Da portaria do clube dava para ouvir o som alto tocando flash back.

Cheguei a pensar que estávamos na festa errada. Quem era aquela gente?

Um exercito de  carecas e mulheres  loiras de pretinho básico, em cima de saltos altíssimos. Todas com  testa  lisa e cara de vento…. sem falar na tal escova  progressiva, que deixou todas elas iguais, um nivelador social  só comparável à praia de Ipanema.

-O que aconteceu com a cabeleira da galera do grêmio? tentei  especular com a Ritinha.

Mas ela nem me ouviu. Nem sequer estava do meu lado, ocupada demais em abrir suas asas, soltar suas feras, e cair na gandaia. Da pista,acenava para mim : Veeeem, boba!

Cinco taças de prosecco  depois,  aderi  gloriosa a coreografia  do grupo:

nanannananananananna, Macarena

nanannananananannana,Macarena

nanannananananannanna, Marcarena

Na voltinha do  eeeeeeeeeeee  Macarenna , passei rapidamente os olhos pelo entorno da pista  e então gelei. Estou ficando louca ou aquele é o Luis?

Só tive certeza quando olhei para o crachá:  LUIS BEVI. Fiquei paralisada. E antes que fosse pisoteada pelas colegas que soltavam a louca na pista, cheguei mais perto, quando ele se antecipou:

 

-Oi, Fran! Noossa não acredito!

-Ooooooooooooooooi Luis, quanto tempo…!

-Como é que você  está?

Com as mãos no ouvido, me puxou para o bar, para tentar ouvir a resposta.

-Nooossa que barulheira !!! Quer tomar alguma coisa?

Na faculdade, estudávamos no mesmo prédio, embora fizéssemos cursos diferentes.

Reparei nele desde o primeiro momento. Nos cruzávamos na escada e ele sempre me olhava, meio sem graça. Um dia, não sei nem como, passamos a nos falar oi. Adorava a maneira como ele segurava os livros, apoiados entre a perna e mão direita e o jeito como ele descia a escada, pulando os degraus de dois em dois. Usava quase sempre  camisa xadrez  azul e jeans. Era bem fortinho, o Luis. Seu estilo surfista –com- óculos- John Lennon, era simplesmente irresistível .

Dava para perceber que era do tipo tímido, nada pavão, do jeito que eu gostava. Eu sempre aparentei ser meio perua, mas a verdade é que por dentro eu  não era assim. Sempre fui meio feiosa, então precisava de produção, era só isso.

Depois de um tempo,nossos encontros na escada foram rareando, cheguei a pensar que ele tinha saído da faculdade. Um dia, fazendo uma reunião de grupo na biblioteca, eu o vi numa salinha de estudos,  sentado  com o faxineiro  e amigão da gente, o Zé Vitrola. O Luis estava ensinando o Zé a escrever!! Me apaixonei por ele através do visor da janelinha da sala, sem ao menos trocar com ele mais que um monossílabo por dia…

Era muita coincidência! Eu também estava tentando ensinar a Cida, cozinheira lá de casa a escrever  , começando da cartilha. Só que  eu devia ser muito ruim, porque menos de duas semanas de curso, perdi a aluna e minha mãe  perdeu a cozinheira. Ela foi comprar pão na padaria e nunca mais voltou.

Voltando à festa :não precisou mais que dois minutos para a gente voltar àquela época:

-Conta a verdade, Fran, a tal Cida existia mesmo, ou  aquela conversa sobre o método de alfabetização era só xaveco?? Sim, por que desde aquela tarde, você não me largou mais.

-Ai que  mentira, Luis! Você é  que grudou em mim os quatro anos seguidos, até que você foi embora ,cursar o ultimo anos nos Estados Unidos!!

Começamos então uma viagem de volta ao passado, relembrando o tempo ido, coisinhas de nos dois, regadas a risadas eufóricas interrompidos apenas por alguns “ que fim levou fulana e fulano?”

Fiquei feliz ao ver que ele se lembrava de tantos pequenos detalhes da nossa ex-vida.

E que vida. O Luis foi meu primeiro amor.Um amor tão grande que doía o peito.

Nos poucos momentos de silêncio, Luis me olhava e sorria com uma calma espantosa. Eu sorria de volta,tremendo, com os olhos fixos nele.

Do presente, nada falamos. Não importava. Sabia que ele tinha cursado a faculdade de economia fora,  que trabalhava num banco, era casado e tinha um filho só e que dificilmente vinha ao Brasil. Nunca procurei saber mais dele. Afinal,tinha minha vida: o Beto, as crianças, o trabalho…

 

Não falamos do presente, nem de nada que não fosse nós dois.

Nossa vida, naquela hora, não tinha outros.

Estávamos cada vez mais soltos. Riamos e nos aproximávamos . As vezes nos encostávamos de leve. A intimidade  e o calor aumentava .

Por um botão aberto, consegui enxergar um pouco do seu peito, por dentro da camisa xadrez. Como ele eh lindo, meu Deus! Percebi algo que me parecia ser uma tatuagem.

Quando eu ia perguntar sobre isso, e também contar da minha , Ritinha apareceu no terraço.

-Já estão fechando, todo mundo já foi embora,Fran, temos que ir.

Luis me falou que iria embora no dia seguinte a noite, e antes que eu pudesse  dizer algo ,ele falou:

-Vamos tomar um café amanha?

-Vamos ,vamos sim. Umas onze é bom pra você?

Que tal no ibira?

-No lugar de sempre?

-ok

O ibira tinha tudo a ver com a gente. Nos encontrávamos quase sempre de bicicleta  numa alameda tranquila , na decima primeira árvore, exatamente a metade do caminho para quem entrava pelo portao 3-(EU) e pelo portao 5-(ELE).

-Será que a nossa árvore ainda esta lá?

-Ah não sei, deve estar…

Na verdade, eu sabia que estava, sempre que eu ia lá com o Beto e as crianças, dava um jeito de passar naquela alameda. Olhava para a árvore e lembrava do tempo bem vivido, da paixão desmedida, o desejo ardente. Recordava  o desenho do  seu corpo enroscado ao meu, ali mesmo,  em cima daquela árvore.  Lá de cima, dava para ver o lago e de lá podíamos ver também o nosso futuro  juntos. Um dia traríamos as crianças, e subiríamos com elas para mostrar o lago.

Não consegui dormir direito aquela noite, nem trabalhar naquela manhã antes do encontro. Acordei com ressaca e dor de cabeça, mas antes das onze, já estava  lá em cima arvore. Pensei que o Luis talvez não reconhecesse meu rosto, dado a camada gigante de corretivo que tive que passar pra esconder as olheiras.

Foi então que ele chegou.

Respiro ofegante. Rejuveneço 20 anos. Me sinto uma menina.

oi fran, nossa vc está  linda ..

-E você , então? Quem corta seu cabelo agora?

-Ah, sei lá, corto num lugarzinho perto do banco. Lembra quando você  cortou a primeira vez o meu cabelo ? que me encheu de grampinhos para separa-lo em partes e seu pai flagrou a gente,   no seu banheiro cor-de-rosa ??? EU com o cabelo dividido em grampinhos!!!

E qdo a gente foi viajar com a turma para o Peru: uma turma de duas pessoas, eu e vc…?? Nossa, a gente viveu hein!…

Neste momento, o celular do Luis tocou. Ele olhou o numero, mas não atendeu. A pessoa insistia. Seis chamadas em menos de 10 minutos.

O som daquele aparelho  doía em mim. Será que é a esposa? o filho?será que ele tem que ir embora de novo? Será que isto é o alarme do meu despertador e e estou sonhando?

O Luis não disse nada,mas  também ficou diferente.

Depois disso, seguiu-se um longo e miserável silencio. A euforia desapareceu.

Ficamos parados, ambos olhando para um ponto no infinito,  quase ausentes .

E , então, como se  estivesse frente ao abismo  do passado e do  presente ao mesmo tempo, Luis virou  meu rosto  e disse baixinho:

-Fran, porque  foi mesmo que a gente se separou?

– Shhhh…Me beija.

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