Arquivos diários: 15 de outubro de 2013

“Navegar é preciso, viver não é preciso”

foto para o blog

Por Simone Romano

 

Esta frase de Fernando Pessoa sempre me impactou muito, desde cedo , ainda na escola.
Quando menina, achava graça :
navegar é preciso ,viver não é preciso !!!só mesmo se a gente fosse um barco, não gente..!..
Passados vinte anos, ainda não sei bem o que Pessoa quis dizer com esta frase, sei apenas que o significado dela ainda me inquieta

Vida e navegação, de inicio, me pareciam o mesmo.
E a vida não é mesmo um eterno navegar?
Há aquilo que está debaixo do controle do navegador : o leme, as cordas,a direção, a rota , o porto pretendido.
Mas há algo no navegar que não controlamos: o mau tempo, o bom tempo, a correnteza, a calmaria, obstáculos geográficos intransponíveis…

Há tempos em que o melhor a fazer é entregar-se às mares, ao imponderável . Ah, como pode ser surpreendente soltar as amarras, abandonar-se , entregar, confiar , e quantas surpresas reserva mesmo a sorte…!

Em minhas patéticas navegações, percebo que mais vale a direção que o destino pretendido.
Não importa muito o porto de destino, (sempre tão provisório.), importa é a direção que estamos escolhendo nesta grande viagem, o que estamos buscando, e a serviço
do que estamos navegando……

De volta à Pessoa, ouvi uma interpretação que me ajudou na minhas indagações internas    ( e eternas) de que o viver é inerente a nós, nos foi dado, e um dia será tirado,cabendo a nós somente navegar…
Navegar, escrever (e reescrever) a carta de navegação, recheando deliciosamente o diário de nossa viagem-vida até o último dia, nunca deixando de nos encantar com ela.
Outra coisa que aprendemos à medida do tempo( afinal envelhecer deve ter alguma vantagem! ) é navegar com pouca bagagem, livrar-se daquilo que não precisamos mais, de idéias que nem são nossas,dos tantos apegos, das mágoas velhas, livrar-se, simples assim…
Carregar somente o essencial , reservando algum espaço para entrar o novo.
Mas o diário de bordo …. ?!!
Este há de ser imenso, pesado, se possível várias edições , fascículos, emendas, fotografias, casos,amores, recortes, rabiscos, delícias, abraços,poemas, canções..

Certas lembranças são bagagens eternas, aquela pessoa que a gente tanto amou (por que foi mesmo que a gente se separou?), aquela conversa à noite na praia, aquela
pessoa que você viu de passagem e te sorriu , aquela que você de repente perdoou, aquela chuva, sua grande amiga,parceira na vida, como esquecer aqueles olhos cálidos? aquele abraço , a sensação de estar sob uma onda que quebra, o riso incontrolável, o silêncio que disse tudo, a luta, o sorriso da suas crianças …

Recentemente , li um artigo sobre a história de Portugal e sua notória busca colonialista através dos mares.

Por muitos anos, milhares de homens foram embuídos à grande missão de conquistar terras, enfrentando o mar ainda não decifrado, sem saber ao certo se iam voltar, deixavam suas famílias e partiam a serviço à um propósito maior: a pátria.

Quantos e quantos sabiam que poderiam não voltar , mas o
que importava? Navegar era preciso, viver?  não era tão preciso…

Penso nestes homens, penso em Deus, e aí , penso em mim mesma , em meu barquinho querendo agora navegar outros ventos, com alegria e excelência,  ciente da efemeridade de todas as coisas.
Navegar à serviço do propósito maior da minha existência , por todas as rotas e destinos,  que me forem necessários, sabendo que o destino último só será alcançado,
se assim estiver escrito, com a libertação da própria vida.

Gedeão

Geraldo Romano
Geraldo Romano

Como se dizia antigamente, eu cursei o ginásio e o secundário no Colégio São Bento. Formação católica tinha sempre aulas de religião, com tudo que tem direito, provas mensais, provas finais, boletim etc. Quem não passasse, ia para segunda época. Quem na segunda época tomasse pau, era convidado a se retirar do Colégio. Meu professor de religião no colégio foi Dom José. Inteligente, muito culto, intelectual, E ai é que estava o problema. Num dos anos, na prova final, ele resolveu inovar e decidiu: “Este ano quero fazer uma avaliação do conhecimento de vocês sobre a Bíblia sagrada, vou sortear diversos personagens bíblicos, um para cada aluno e vocês vão discorrer sobre ele. Feito o sorteio eu cai com Gedeão. Confesso que nunca tinha ouvido falar esse nome. Perguntei para os colegas próximos, para alguém me dar uma dica. Nada. Mudei de lugar alegando que não estava enxergando bem. Mentira, queria saber se alguém próximo do novo lugar sabia alguma coisa. Nada, ninguém sabia, Fui então até Dom José e falei- Padre estou me lembrando de Gedeão, mas estou fazendo confusão, me dá uma pista. Ele falou alguma coisa, que francamente eu não entendi, fiquei mais perdido ainda. E eu ainda pensei, não vou entregar a prova em branco. E comecei: – Quando a gente estuda a Bíblia, um personagem logo aparece, e nos encanta pelas suas posturas, pelos seus ensinamentos: Gedeão. Muitas vezes em nossas vidas, estamos divididos, não sabemos que caminho seguir, aonde vamos encontrar respostas para nossas duvidas? Nas sábias palavras de Gedeão, muitas vezes notamos que estamos cometendo alguma falta, e estamos trilhando um caminho errado, e nos lembramos do exemplo de Gedeão. E fui por ai a fora, preenchendo duas folhas de almaço, com o que se convencionou chamar de encher linguiça. Pensei: Dom José não vai ter tempo de ler minha dissertação, com tantas provas para corrigir. Pela extensão ao menos cinco ele vai me dar. Ledo engano. Ele leu tudo e é claro me deu zero. Não satisfeito ainda acrescentou: – Como poderei suportá-lo ? Não me conformei, fui falar com ele, disse que tive azar, sorteei um personagem difícil que ele deveria levar em consideração meu esforço. Ele sorriu e acrescentou: -Você além de azarado é um cara de pau. Somente muitos anos depois fui no google para saber quem tinha sido Gedeão. Está no livro dos Juízes do Velho Testamento. Entre outras coisas, com apenas 300 israelitas, ele derrotou um exército de 130mil midianistas, libertando seu povo. E eu soubesse disso naquela época teria escrito, não duas, mas 4 folhas de almaço.